Big Data e a espoliação algorítmica dos dados: novos meios para uma velha dominação

Blog da Boitempo

O Blog da Boitempoapresenta em seuEspaço do leitortextos inéditos escritos por nossos leitores. Quer colaborar também? Saiba como no fim deste post!

Por Alexandre Pinto & Leandro Módolo.

Quando Jean Lojkine escreveu sua já clássica A revolução informacional, em 1992, algumas das tecnologias de informação ainda engatinhavam e, mesmo assim, grande parte dos intelectuais da esquerda anticapitalista assistiam assustados aos desdobramentos e às consequências delas no metabolismo social. Infelizmente, foi apenas de modo reativo que a esquerda passou a discutir e a investigar o fenômeno que já corria nas bocas e nos corredores da política e da tecnociência do mainstream. É certo que, sob os holofotes, em sua maioria eram discursos apologéticos que ressoavam – e ainda ressoam diariamente – os porta-vozes do Vale Silício e de outros clusters de inovações capitalistas. Ora para capturar investimentos e manter a circulação e acumulação de capital, ora…

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Ricardo Cappelli: Reflexões sobre a entrevista de Freixo à Folha

Ricardo Cappelli: Reflexões sobre a entrevista de Freixo à Folha

O jornalista Ricardo Cappelli faz uma profunda reflexão sobre a entrevista do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) à Folha. “Deus do céu. O estrelato no filme global e a presidência do fã clube de Bretas fazem as pessoas perder a noção da realidade e transformar a brutal luta de classes no Brasil numa nova ‘Bossa Nova de Ipanema’ ou numa pedalada na Vila Madalena.”

 

https://www.esmaelmorais.com.br/2017/12/ricardo-cappelli-reflexoes-sobre-a-entrevista-de-freixo-a-folha/

Haroldo Lima: Desnacionalizar a Embraer é inaceitável

Blog do Renato

A pretensão americana de comprar a Embraer atinge nossa soberania. A Embraer foi fundada em 1969 e até sua privatização em 1994, durante 25 anos, foi alvo de muito investimento público, feito para garantir ao Brasil um espaço na produção de aeronaves e em serviços especiais de defesa aérea.   Não é uma empresa qualquer, é estratégica.

Para o Brasil, o ponto mais vulnerável em toda essa história, é que o governo que está à frente do país é, desenganadamente, antinacional. Não fosse assim, poderia acionar a ação “golden share”, que lhe dá poder de veto em casos como a transferência de controle acionário da companhia. Quando foram criadas, as ações “golden share” tinham primordialmente esta função.

No Reino Unido, em 1979, o governo neoliberal de Margareth Thatcher desencadeou um grande processo de privatizações. Como algumas das estatais a serem vendidas tinham sentido estratégico, o Estado britânico considerou que não poderia…

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A Coca-Cola, a Zona Franca de Manaus e o rombo de 7 bilhões

por João Peres e Moriti Neto* — publicado 10/12/2017 00h19, última modificação 11/12/2017 11h36
Os maiores produtores de refrigerantes há anos driblam a Receita e são reembolsados por impostos que nunca pagaram
Recofarma

A Recofarma fabrica em Manaus o concentrado da Coca-Cola

A Receita Federal e organizações da área de saúde tentam há anos desmontar um distorcido sistema de incentivos fiscais que beneficia grandes produtores de refrigerantes. Empresas instaladas na Zona Franca de Manaus cobram créditos tributários por impostos que nunca foram pagos.

Segundo cálculos conservadores, as companhias beneficiadas deixam de repassar aos cofres públicos 7 bilhões de reais por ano, o equivalente a 84 meses de manutenção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ameaçada de fechamento, ou um terço do orçamento anual da saúde em São Paulo. O Fisco reclama da “distorção”. Não bastasse o incentivo em si, há sinais de superfaturamento nas notas fiscais emitidas pelos beneficiários.

Os subsídios variam de 15 a 20 centavos de real por lata de refrigerante consumida no País. Nas garrafas de 2 litros, o valor repassado a essas empresas fica entre 45 e 50 centavos. Entre o que deixa de ingressar no Tesouro e o que sai na forma de incentivos, cada brasileiro, consuma ou não os produtos das corporações de bebidas, “doa” 35 reais ao ano aos fabricantes. Os principais beneficiados são a Coca-Cola e a AmBev.

Leia mais:
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A sonegação fiscal destrói o Brasil
Impostos: quem paga o pato

A situação provoca um fenômeno peculiar: um setor econômico de porte gera prejuízo à arrecadação federal. Segundo a Receita, em 2014, a produção de refrigerantes resultou em um IPI negativo de 4%. Pela Constituição brasileira, os impostos entre uma etapa e outra da industrialização não são cumulativos, “compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.

Ou seja, se o industrial compra o concentrado de refrigerante por 100 reais a uma alíquota de 20%, tem direito a 20 reais em créditos, que podem ser usados inclusive para abater dívidas com a União.

Na Zona Franca de Manaus, o IPI é zero, mas os compradores de xarope cobram o crédito em cima da alíquota que incide sobre o produto fabricado em outras regiões. O resultado é que a tributação brasileira sobre refrigerantes, baixa em relação à de outros países, torna-se ainda menor.

A principal atividade da Coca-Cola, na verdade, é fabricar concentrados. A Recofarma, unidade da transnacional em Manaus, revende o produto intermediário a engarrafadoras que o diluem em água e gás, embalam e se encarregam da distribuição.

Alexandre Jobim preside a associação das empresas… (Foto: Zeca Ribeiro)

As grandes empresas do setor começaram na década de 1990 a transferir a produção de concentrados para a Zona Franca de Manaus. Não satisfeitas com os incentivos “naturais”, passaram a cobrar o crédito sobre os impostos nunca pagos. A Receita decidiu ingressar na Justiça para contestar a operação, com sucesso apenas parcial.

Notas fiscais obtidas pela equipe do site “O joio e o trigo” mostram que 1 quilo de concentrado da AmBev e da Coca produzido na Zona Franca custa até 450 reais. O preço mais baixo encontrado foi de 169 reais.

O xarope produzido pela Recofarma em Manaus abastece as engarrafadoras da Coca-Cola no Brasil e também na Argentina, Colômbia, Paraguai, Venezuela, Uruguai e Bolívia. Analisados os dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, conclui-se que o quilo do mesmo produto no mercado externo sai por 22 dólares, em torno de 70 reais.Ou seja, na melhor hipótese, o preço praticado no mercado interno é duas vezes maior. Na pior, mais de seis vezes. De acordo com os dados de produção industrial do IBGE, o valor do xarope produzido no Amazonas em 2015 teve média de preço de 138 reais por litro. Em São Paulo, o produto saía a 30,47 reais. Em outros estados, a 61 reais.

O caso do chá-mate é ainda mais curioso. O quilo da erva in natura custa de 10 a 15 reais. A produção é totalmente concentrada no Sul do País. E a fábrica do Matte Leão, que a Coca comprou na década passada, fica em Fernandes Pinheiro, a oeste de Curitiba. Uma das notas fiscais contabiliza, porém, o valor de 351 reais do quilo enviado de Manaus de volta à Região Sul. Uma majoração que varia de 2.340% a 3.510%.

As maiores empresas de concentrados respondem por menos de 1% da mão de obra empregada na Zona Franca de Manaus, mas detém de 12% a 13% do faturamento. O setor de químicos, dominado pela produção dos xaropes, é, de longe, o que mais expandiu sua receita desde a década de 1990.

Empresas beneficiadas no passado por seu pai, Nelson (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Enquanto o número de trabalhadores se multiplicou por dez entre 1988 e 2013, o ganho em dólares aumentou 200 vezes. Segundo levantamento da Superintendência da Zona Franca de Manaus, havia 2,66 mil funcionários no setor químico em 2016, ante 29 mil no de eletroeletrônicos e 13 mil no de duas rodas.

A Recofarma tem 175 funcionários, segundo o levantamento mais recente oferecido pela Suframa. A Arosuco emprega 142 pessoas.

Com os dados da Suframa, contata-se que o setor de químicos é sempre o segundo em restituição de ICMS, apesar de nem sempre ocupar a mesma posição em pagamento de impostos. No ano passado, foram 140 milhões de reais pagos e 1,167 bilhão recebido. O setor de duas rodas, com mais empregos e maior faturamento, pagou mais, 155 milhões, e ganhou menos créditos, 365 milhões.

Ainda em 1994, a Procuradoria da Fazenda Nacional alertou que o esquema de créditos tributários resultaria em “enriquecimento ilícito” e “evasão fiscal”. Em resposta a uma ação movida pela Coca-Cola, o órgão afirmou não haver lógica em receber compensações por um imposto nunca pago.

A operação na Zona Franca de Manaus estimula uma curiosa situação: o setor empresarial passou a defender impostos mais altos, pois quanto maior a alíquota, maior o crédito. Em 1997, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que o então governador do Ceará, Tasso Jereissati, pressionou o Ministério da Fazenda a reverter a decisão de zerar a cobrança de IPI sobre os concentrados. O tempo passou, nada mudou.

Jereissati: atuação pública em proveito próprio (Foto: Walter Smith)

Documento obtido pela reportagem via Lei de Acesso à Informação mostra que o hoje senador usou o cargo público para obter benefícios como empresário. Segundo maior engarrafador de produtos da Coca-Cola no Brasil e dono de um patrimônio declarado de 389 milhões de reais, Jereissati intermediou uma reunião entre o presidente da multinacional na América Latina, Brian Smith, e o então ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O encontro ocorreu às 15 horas de 26 de agosto de 2008, período no qual tramitava uma medida provisória para rever os impostos sobre bebidas não alcoólicas. Naquele momento, os produtores regionais conseguiram uma vitória no Congresso para mudar o regime de tributação, que favorecia as grandes do setor.

Três dias depois de sancionada a Lei nº 11.727, foi editada, no entanto, uma medida provisória que basicamente restabelecia a situação anterior. Não se trata de uma exceção. Ao longo das décadas, foram várias as decisões repentinas dos governos em favor da Coca-Cola e da AmBev.

Nem todos os industriais ganham. A Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil foi criada na década passada para contestar a tributação incidente sobre o setor, vista como benéfica às grandes empresas. Do outro lado está a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir), que declara representar as companhias responsáveis por 93% do faturamento do segmento.

Entra vento, sai dinheiro. Na Zona Franca, os produtores não pagam certos tributos, mas têm direito à restituição

“As grandes corporações falam que são mais eficientes. Não, elas não são mais eficientes. São, isto sim, mais eficientes na hora de criar, de manipular a legislação brasileira, a tributária”, acusa Fernando Bairros, presidente da Afrebras.

A Abir nega que a operação da Zona Franca de Manaus beneficie apenas a Coca-Cola e a AmBev. Qualquer empresa, alega a associação, pode se valer dos incentivos. É necessário, porém, não perder de vista certas especificidades da operação. Primeiro, buscar o insumo em Manaus e levar para o Sul ou o Sudeste, onde está a maior parte das fábricas, tem um custo. Segundo, como há crédito a ser cobrado sobre o IPI, quem compra mais pede mais.

E pode mais. É possível que esses créditos beneficiem ligeiramente um pequeno produtor, mas, no caso dos grandes, funcionam como um incentivo bilionário. Por conta da margem de ganhos que ele estabelece, é possível rebaixar preços e prejudicar a concorrência. Ou gastar mais em publicidade para aumentar a participação de mercado. Ou investir na compra de espaços nas prateleiras dos supermercados e obter uma vantagem competitiva.

Segundo a Afrebras, em 1960 havia 892 fabricantes de refrigerantes no Brasil. No ano retrasado, sobravam 235. Em 2000, as pequenas indústrias produziam 2,72 bilhões de litros. Quinze anos depois, o volume caiu para 1,04 bilhão. No mesmo período, que coincide com o ápice dos créditos da Zona Franca de Manaus, as grandes companhias saltaram de 5,78 bilhões para 13,86 bilhões de litros, segundo a entidade.

O debate poderia ter tomado um rumo diferente 20 anos atrás. Em 1998, a vantagem tributária da Coca-Cola foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal. “Não há por onde divergir. A Constituição é muito clara”, diz Ilmar Galvão, ex-ministro da Corte, hoje com 84 anos, relator do recurso movido pela maior fabricante de refrigerantes do mundo. “O Tribunal se deixou levar pelo voto do ministro Nelson Jobim. Fiquei vencido. Sozinho. Vencido, mas não convencido, porque o Tribunal errou.”

Mombelli, da Receita, fala em distorção (Foto: Luis Macedo)

Jobim chegara à Corte havia pouco do Ministério da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Ele levou ao STF uma visão empresarial da pendência, deixando em segundo plano a Constituição. “Sei da existência de virtual conflito entre a Fazenda e os produtores de Coca-Cola quanto às margens.

Segundo informações, os produtores de xarope teriam aumentado o seu valor para  (o fim  de) obter maior resultado de isenção.” O ministro comentou a suspeita de superfaturamento, mas, em vez de dar fim ao esquema, comandou um voto que o consolidou.

Galvão até hoje lamenta a decisão. “Quando o Jobim foi ministro da Justiça, houve uma confusão entre a Coca-Cola e o guaraná. A Coca-Cola botou o xarope para ser feito na Zona Franca. O guaraná, a fruta, é do Amazonas. Deu-se uma polêmica entre eles e Jobim ficou com aquilo na cabeça.”

Jobim integra atualmente o conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), mantido pela Coca-Cola e a AmBev. O ex-ministro recusou-se a conceder entrevista.

Seu filho, Alexandre Kruel Jobim, preside desde 2015 a Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir), encabeçada pelas duas gigantes do setor. Recentemente, afirmou que o setor sofre bullying. Galvão: voto vencido, mas não 'convencido' (Foto: STF)

Após a saída de Jobim da Corte, o Supremo mudou ligeiramente o entendimento sobre o caso, mas não há consenso entre os ministros sobre como tratar a questão, o que se reflete também nas decisões de instâncias inferiores.

No fim de outubro deste ano, a Receita deu mais um passo na tentativa de frear a perda de arrecadação. Foi emitida uma interpretação de que as empresas têm produzido na Zona Franca um kit de concentrado e não o concentrado em si.Dessa forma, o Leão evitaria que o setor privado pudesse cobrar o ressarcimento. “Não há como deixar de citar que há uma distorção no setor de bebidas no que diz respeito ao extrato”, disse o coordenador-geral de Tributação da Receita, Fernando Mombelli, durante recente audiência pública na Câmara dos Deputados. Qualquer elevação de impostos sem corrigir esse problema, afirmou Mombelli, seria inútil, pois acabaria compensado pelos créditos tributários.

A Coca-Cola e a AmBev informaram que a Abir emitiria um posicionamento sobre a discussão. A associação, por sua vez, comentou genericamente a situação, e não justificou a diferença de valor entre o concentrado vendido ao mercado interno e aquele exportado.

Jereissati ignorou os pedidos de entrevista. A secretária de Guido Mantega informou que o ex-ministro passa por problemas pessoais e não teria condições de responder às perguntas.

* Leia mais a respeito no site O Joio e o Trigo

 

https://www.cartacapital.com.br/revista/981/a-coca-cola-a-zona-franca-de-manaus-e-o-rombo-de-7-bilhoes

Como funcionava a empresa de fachada da Globo nas Ilhas Virgens

Joaquim de Carvalho

Por Joaquim de Carvalho

No DCM

O dia amanhece com galos cantando em pleno centro de Road Town, capital das Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, onde, em 2001, a Rede Globo comprou uma empresa por cerca de 220 milhões de dólares. O que poderia haver de tão valioso no Caribe para que a Rede Globo fizesse um investimento deste porte?
O esconderijo para um tesouro é a resposta mais apropriada. Exatamente como no tempo dos piratas, que por sinal fizeram história por aqui, como o lendário Barba Negra. E para piratas no passado, assim como para sonegadores de impostos, corruptos, traficantes de drogas e de armas no presente, o melhor lugar do mundo é onde se pode guardar a riqueza ilícita longe dos olhos das autoridades. Um paraíso. Isso é Ilhas Virgens.
Quem conhece bem os meandros deste paraíso fiscal é o advogado brasileiro Marcelo Ruiz, que desde 2011 trabalha para um escritório de recuperação de ativos instalado no centro financeiro de Road Town. Seu trabalho é descobrir quem está por trás das empresas abertas no país, que integra a Coroa Britânica, e repassar os dados para os escritórios das nações onde correm processos — Cayman, Suíça ou Brasil, por exemplo.
Ele, evidentemente, não trabalha sozinho. Além dos advogados de todos os continentes que dividem com ele um andar inteiro no edifício Fleming House, onde está uma das maiores empresas de telefonia móvel do país, a Lime, ele trabalha com a Kroll e outras empresas de investigação formada por ex-agentes da CIA, Scotland Yard e FBI.
“Essas empresas trabalham para a gente como suporte. Mas quem repatria são os advogados”, diz. Tudo com base na lei. No passado, era quase impossível chegar aos crimiminosos. Mas a justiça no mundo inteiro tem reconhecido o direito da vítima de identificar seus algozes e reparar o dano, inclusive o financeiro – caso de acionista lesado, ex-esposa passada para trás na partilha e nós, o povo, no caso da sonegação ou da corrupção.
“Havendo um processo judicial, mesmo que em outro país, a justiça reconhece o direito de quebrar o sigilo da empresa sob sua jurisdição”, explica Marcelo.
Foi assim que escritórios parceiros da banca onde Marcelo trabalha repatriaram o dinheiro da corrupção no caso do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, e do ex-prefeito Paulo Maluf, de São Paulo.
Marcelo não entra em detalhes por conta de cláusulas de confidencialidade, mas admite que seu escritório trabalhou no caso em que Ricardo Teixeira foi acusado de receber propina para favorecer emissoras de telvisão na venda dos direitos de transmissão da Copa do Mundo. O suborno foi depositado numa conta de empresa aberta nas Ilhas Virgens Britânicas. Ricardo Teixeira fez acordo com a Justiça na Suíça, sede da Fifa, pagou multa milionária e se safou de uma condenação. Mas teve que se afastar do futebol profissional, e vive num autoexílio na Flórida, Estados Unidos.
Road Town não é a única coincidência que une a Globo a Ricardo Teixeira. Assim como o ex-presidente da CBF e dirigente da Fifa, a Globo também buscou refúgio naquele paraíso fiscal. Em junho de 1999, através de outra empresa offshore, a Globo abriu a Empire Investment Group Ltd., com capital de aproximadamente 220 milhões de dólares.
Em 2001, a Globo comprou, através de sua matriz brasileira, a mesma empresa. Informou ao Fisco que buscava expansão no mercado internscional de TV, e omitiu o fato de que a empresa já era dela. Mais tarde, quando investigou a Globo, a Receita Federal descobriu a fraude.
O auditor fiscal Alberto Zile escreveu: “As operações arroladas dão a clara ideia de que vários atos praticados pela fiscalizada estavam completamente dissociados de uma racional organização empresarial e, consequentemente, de que a aquisição da sociedade empresarial nas Ilhas Virgens Britânicas foi apenas um disfarce de uma aquisição dos direitos de transmissão,  por meio de televisão, da competição desportiva de futebol internacional, com intuito de fugir da tributação”.
A Empire era titular dos direitos de transmissão, comprados por outra offshore da Globo junto a uma intemediária da Fifa, a ISL. A Empire, apesar de possuir um bem tão valioso como o direito de transmissão da Copa do Mundo, funcionava sem sede própria nas Ilhas Virgens.
A Empire dividia o mesmo endereço da Ernst & Young Trust Corporation, com a qual compartilhava também a caixa postal. “Com essas informações, não resta dúvida, a Empire era só papel, não tinha atividade nenhuma”, diz o advogado brasileiro que trabalha em Road Town desvendando o que há por trás das offshores.
Quando cheguei a Road Town, através de um barco que faz a travessia de Saint Thomas, nas Ilhas Virgens Americanas, onde tem um aeroporto maior, fui procurar a Empire. “Nunca ouvi falar”, disse o funcionário de uma empresa de informática no térreo do prédio onde funcionava a Ernst & Young.
“Já prestei serviço para muitas empresas daqui, mas nunca soube que existisse essa empresa Empire. Duzentos e vinte milhões de dólares? É muito dinheiro…”, comenta o taxista Roy George, um dos poucos que aceitam se identificar num assunto “muito delicado”, como observa o dono de uma empresa vizinha da Empire.
Os documentos de fundação da Empire trazem apenas a assinatura de uma procuradora autorizada, Nancy E. A. Grant, e de uma testemunha, Hellen Gunn Sullivan. Eu procurei as duas, primeiro no antigo escritório da Ernst & Young, no Jayla Place. “Eles se mudaram”, informou a gerente da Appleby, empresa que também administra offshore (legal, como informa em seu site), que agora ocupa a metade do terceiro andar do edifício antes sede da EY.
A Ernest & Young foi para outro endereço, mais distante do centro, no luxuoso prédio Ritter House, ao lado da marina The Moorings. “Não conheço nenhuma delas”, diz a advogada que nasceu em Santo Domingo, República Dominicana, que me atendeu em pé, na recepção do escritório. Ao ser informada do assunto, fez questão de esclarecer: «Em Road Town, não administramos mais offshore. Somos uma empresa de contabilidade.»
É um fato. A EY transferiu todas as suas atividades de trust (administração por relação de confiança) para as Bahamas, e vendeu seus ativos (as empresas de papel) para a Tricor, que funciona no prédio do First Caribbean Bank. Carol, a gerente inglesa da Tricor,  demonstrou incômodo quando me apresentei como jornalista brsileiro.
“O que você faz aqui?”, questionou, para em seguida dizer que Nancy, a procuradora da Empire (leia-se Globo), era sua antecessora na gerência da empresa. “Ela voltou para a Inglaterra, mas mesmo que estivesse aqui não poderia dar informação. Essas informações são fechadas”, disse.
Certamente, ela não sabe que a propriedade da Empire deixou de ser segredo quando o auditor Alberto Zile, a partir de uma denúncia vinda do exterior, vasculhou os documentos da Globo e descobriu que a Empire foi criada pela própria empresa brasileira. Segundo a Receita, o objetivo era sonegar impostos, o mesmo objetivo de milhares de empresas que se instalam por aqui.
Nas Ilhas Virgens Britânicas, os agentes fiduciários silenciam, mas o galo canta por toda parte, e é comum ver galinhas e pintinhos pelas praças e ao redor das mesas dos restaurantes à espera de que alguém jogue comida. É que a ave vive livre como os pombos no Brasil, embora os moradores gostem da carne no prato. Mas comem apenas o que compram no supermercado.
Continue lendo aqui.

Ajuste fiscal tira verbas de programas sociais e acentua desigualdade

Blog do Renato

Peça chave na política de austeridade em curso, a nova regra fiscal implementada por Michel Temer completa um ano nesta sexta (15), com impactos perversos para a população mais vulnerável e sem cumprir sua promessa de equilibrar as contas públicas e ativar a economia. O ajuste fiscal, levado ao extremo na atual gestão, tem significado cortes severos no orçamento de programas sociais, o que coloca em risco direitos básicos e contribui para exacerbar desigualdades no país.

Por Joana Rozowykwiat

Um estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais mostra que a escolha de combater os déficits fiscais do país com redução de gastos públicos tem afetado principalmente os investimentos em direitos humanos, proteção social, mudança climática, políticas para jovens, de igualdade racial e gênero.

Em algumas áreas, entre 2014 e 2017, o volume das perdas torna inimaginável a…

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Walter Sorrentino: A esquerda e o desenvolvimento soberano

Blog do Renato

Demétrio Magnoli, em artigo* intitulado “Para onde vai a ´nova esquerda´?” busca refletir sobre os impasses do estado de bem estar social, tempo que, julgo eu, não retorna mais. Nessa rota ele afirma que “o nacionalismo é a trincheira da direita”, o que seria, para ele, “uma verdade óbvia.” Haveria hoje uma “nova esquerda” que cultua o Estado-nação, sendo a soberania nacional “a opção fundamentalista que interliga a direita a essa ´nova esquerda´ sem rumo.”

Por Walter Sorrentino*, em seu blog

Foto: Marcelo Favaretti

 

Magnoli parte da crítica à formulação de Dani Rodrik, professor turco de Economia Política Internacional atuando em Harvard, que identificou um “trilema”, problema que só admite a conciliação entre dois de três objetivos, no caso, soberania nacional, democracia e hiperglobalização. Rodrik sugere uma solução que é a renúncia à hiperglobalização, criticada por Magnoli.

O tema é importante e cheio de armadilhas, nas quais se enreda (não…

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Armadilhas que caímos e discursos que compramos

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Para ofertar serviços públicos como os de países ricos teríamos que arrecadar duas ou três vezes mais impostos per capita. O Brasil, para isso, teria que ter uma carga tributária de mais de 100% do PIB. Isso mesmo

Em função do seu PIB nominal, o Brasil é considerado a 7ª economia mundial. Todavia, tem o 79º PIB per capita do mundo segundo um levantamento divulgado pela revista Global Finance Magazine, referente a 2015. Além disso, segundo dados da The Heritage Foundation, o Brasil tem apenas a 48° arrecadação per capita do mundo (2016), duas ou três vezes menor que a de países desenvolvidos.

O Brasil arrecada, em média, US$ 5 mil por pessoa (2016) com uma carga tributária de 34% do PIB. Esse é o recurso que municípios, estados e União têm para se manter, pagar salários e promover políticas públicas. Países como Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Canadá, Japão e Espanha arrecadam mais…

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Júlio Miragaia: F5 na esquerda

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Na obra “Cem anos de solidão”, do escritor colombiano Gabriel García Márquez, um século se passa na cidade de Macondo. A passagem do tempo e as obras dos seus moradores fazem com que a cidade seja abandonada e esquecida ao final da saga da família Buendía.

Por Júlio Miragaia*

Divulgação

Manuel D'Ávila em entrevista no Canal Livre da BandManuel D’Ávila em entrevista no Canal Livre da Band

Como em Macondo, parece também vivermos uma amnésia histórica sobre o papel da esquerda no processo político no Brasil. A onda conservadora que leva até a ultradireita ao campo da disputa pelo poder permitiu que bandeiras em outro momento instrumentalizadas pela esquerda passem a ser parte do repertório do conservadorismo.

Patriotismo, desenvolvimento, geração de empregos e alternativas programáticas para a saída da crise parecem ser estranhas para uma esquerda brasileira que carece repensar suas táticas e estratégias e, também, pensar na renovação de suas figuras públicas para que o futuro e…

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Manuela, o Pará, a Amazônia te espera

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Manuela D’avila, pré-candidata a Presidência da República pelo PCdoB estará nesse sábado (9) no Pará, na Amazônia. Manuela vai participar de um ato político cultural em Marabá, sudeste do Estado em memória do militante de Direitos Humanos Paulo Fonteles Filho, que teve seu desaparecimento físico em outubro passado.

Por Robson Marques*

Richard Silva

Manuela estará na região onde existe o Projeto Grande Carajás implementado na Amazônia oriental. O projeto Grande Carajás é um mega empreendimento econômico, político e social que teve início oficial no princípio da década de 1980, ainda que se tenha conhecimento de pretensões e de ações econômicas na região desde décadas anteriores, quando alguns diagnósticos apontavam a existência de metais na área. Para a execução do projeto em sua estrutura, de modo geral, o governo federal disponibilizou elevado volume de capital, oriundo de empréstimos em instituições financeiras nacionais e estrangeiras. Inicialmente esse investimento seria direcionado à construção…

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Haroldo Lima: Perigosa escalada fascista que precisa ser barrada

Blog do Renato

É da maior gravidade a ação truculenta que a Polícia Federal efetuou, a 6 de dezembro de 2017, na Universidade Federal de Minas Gerais, levando, por condução coercitiva, para prestar depoimentos, o reitor Jaime Arturo Ramirez, a vice-reitora, Sandra Regina Goulart Almeida, mais duas ex-vice-reitoras e outros servidores.

Em nossa Constituição, a autonomia universitária é expressamente estabelecida, não só “didático-científica”, mas também “administrativa” e de “gestão financeira e patrimonial”, como está no art. 207 da Carta Magna. A ação da Polícia Federal na UFMG é uma aberta afronta à Constituição

A tradição brasileira, defendida a muito custo, também é de respeito ao “campus”, sendo bem lembrado o gesto do reitor Pedro Calmon da antiga Universidade do Brasil quando, durante a ditadura de 1964, chegando na Faculdade de Direito do Rio, ocupada por estudantes, deparou-se com um oficial da Polícia Militar subindo a escadaria da escola. Não titubeou. Tomou-lhe a frente…

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Manuela: “Vamos combater a mentira e construir uma política diferente”

Blog do Renato

A pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manuela D’Ávila comentou em vídeo em suas redes sociais na tarde desta quinta-feira (7) dos ataques que têm sofrido nas redes sociais com a manipulação e desvio de suas falas, a chamada “Fake News” (falsa notícia). Manuela pediu para os internautas ao invés de compartilharem este tipo de fala inverídica, que a ajudem a combater as notícias falsas na internet. “Vamos combater a mentira e construir uma política diferente”, disse.

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Lava Jato torra R$ 140 bi para recuperar R$ 650 mi

Nesta quinta-feira (7), o Ministério Público Federal (MPF) fez um grande estardalhaço, com direito a fotos posadas do procurador Deltan Dallagnol para a mídia, sob o pretexto de “devolver à Petrobras” R$ 653,9 milhões desviados da estatal pelo esquema investigado na Operação Lava Jato.

Os valores devolvidos teriam sido obtidos através de 36 acordos de colaboração premiada e cinco de leniência firmados com empresas. Entre os acordos, Dallagnol citou as delações relativas à Odebrecht, Braskem, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.

Seria motivo de comemoração, se não fosse o custo exorbitante da “recuperação” dessa dinheirama.

Segundo estudo elaborado pelo Grupo de Economia & Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), só em 2015 os impactos diretos e indiretos da Operação Lava Jato na economia reduziram o PIB brasileiro em R$ 142,6 bilhões, o equivalente a uma retração de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

O estudo estimou, só em 2015, uma queda de R$ 22,4 bilhões na massa salarial, uma diminuição de R$ 9,4 bilhões em arrecadação de impostos e uma perda de até 1,9 milhão de empregos.

É evidente que a investigação de toda irregularidade deve ser feita. Mas a questão central é conduzi-la de forma a maximizar seus benefícios em aprimoramento das instituições e minimizar seus custos em produção e emprego”, diz o professor da FGV Gesner de Oliveira no editorial do relatório.

O estudo alerta, ainda, que a “publicidade excessiva” das delações premiadas tem “efeitos devastadores” sobre o valor das empresas e a disponibilidade de crédito, e que a paralização de obras tocadas por empresas investigadas gera custos e diminui a concorrência.

O estudo também diz que “Uma parcela desse prejuízo é inevitável diante do imperativo de conduzir uma investigação abrangente e minuciosa”. Porém, parcela majoritária desse custo poderia ser evitada se os devidos cuidados tivessem sido tomados pelos investigadores, ou seja, pelo MPF.

O objetivo deveria ser o de proteger o emprego e, para tanto, a capacidade de investimento sem descuidar do rigor da investigação”, diz o estudo.

Após mais de três anos e dezenas de fases deflagradas em todo o País, a Operação Lava Jato contabiliza mais de 200 prisões. Dezenas de empresários estão ou estiveram na cadeia, principalmente os donos e os executivos de grandes empreiteiras, além de diretores da Petrobras.

O resultado do alarde em torno da Lava Jato, porém, foi a paralisação das obras de infraestrutura no país. Sem obras, a cadeia industrial e de serviços ligada à construção pesada e ao setor de óleo e gás parou de gerar emprego e renda, o que provocou uma das maiores recessões da história brasileira, se não a maior

A economia brasileira teve agudo desemprego em 2015, 2016 e 2017. O principal motivo foi o efeito maligno da operação Lava Jato. Hoje, temos mais que 12 milhões de desempregados, segundo o IBGE.

A queda abrupta das atividades da Petrobras e das empreiteiras envolvidas pela operação, nos últimos anos, fechou direta ou indiretamente, inúmeros postos de trabalho na indústria e na construção civil.

São quase 3 milhões de trabalhadores demitidos nesses dois setores só em 2015 e 2016.

Tudo isso poderia ter sido evitado com investigações sigilosas. Porém, a sede de fama e poder dos golden boys da República de Curitiba está acarretando esse desastre ao país.

Na esteira do estrelismo desses playboys de Curitiba, vidas destruídas e dezenas de milhões de brasileiros amargando desemprego e privações.

Um dia o Brasil terá que fazer Justiça impondo a essas pessoas o castigo por terem feito tanto mal ao Brasil. Politizar o combate à corrupção e usá-lo para autopromoção pessoal é pior do que não combater essa corrupção.

Assista, abaixo, a reportagem em vídeo e, em seguida, um segundo vídeo que explica como você pode ser notificado toda vez que o Blog da Cidadania publicar nova matéria.

 

 

https://blogdacidadania.com.br/2017/12/lava-jato-torra-r-140-bi-para-recuperar-r-650-mi/

https://www.brasil247.com/pt/colunistas/eduardoguimaraes/331103/Lava-Jato-torra-R$-140-bi-para-recuperar-R$-650-mi.htm

Conheçam sua história, se organizem e lutem!

"O Jovem Karl Marx", o filme “O Jovem Karl Marx”, o filme

A filmografia de Raoul Peck inclui: L’Homme sur le Quais, que participou da seleção oficial de Cannes, em 1993; Lumumba, sobre o líder assassinado da independência do Congo ; Eu não sou seu Negro, nominado ao Oscar de melhor documentário em 2016. Confira, abaixo, a entrevista com o diretor:

Qual é a origem do filme O Jovem Karl Marx?

Inicialmente representantes da TV europeia Arte me solicitaram o projeto. Eu nunca ousaria propor um filme sobre Marx a uma televisão francesa. Temos que contextualizar que o início do projeto se deu um pouco antes da crise financeira de 2008. A ideia segundo a qual o capitalismo seria o horizonte insuperável da história ainda era amplamente dominante; falar de “luta de classes” era recebido como uma aberração. O capital era hegemônico em todas as frentes. Enfim, quando Arte me pediu para trabalhar no projeto, eu me lancei no filme. Pois, para mim, Marx sempre foi incontornável. Não podemos explicar nada sobre a sociedade (capitalista) na qual vivemos sem voltar ao seu pensamento, aos conceitos que ele criou e à sua grade de explicações. Eu mergulhei no projeto. Mas, depois de um certo tempo, percebendo a sua amplitude e não achando uma maneira eficaz de tratar do tema no formato documentário, decidi voltar à ficção pura e o produzir com a minha própria produtora, a Velvet Film.

Por que escolheu focar o projeto no período da juventude?

Eu sabia de cara que eu não poderia encarar o “velho barbudo”. Pois nesse caso eu teria que fazer não um filme, mas dez, para desfazer todas as instrumentalizações e deformações das quais sua obra é objeto. Eu decidi então me concentrar na gênese de seu pensamento, o período entre a tese de doutorado (1841) até o Manifesto do Partido Comunista (1848). São nesses anos que nasce nele a ambição de estabelecer uma ciência da história das sociedades. E tudo está ali.


O diretor Raoul Peck 

Na história do marxismo, a evocação do jovem Marx tem uma ligação, na França, ao que se chamou, nos anos 1960, a “querela do humanismo”, com Louis Althusser postulando um “corte epistemológico” entre o jovem Marx, marcado pelo idealismo humanista, e aquele da maturidade, do Capital, que se tornou plenamente “científico”. Você tinha essa ideia na cabeça?

Conheço bem esse debate, mas, não, isso não influenciou minha abordagem. Justamente, eu afastei todos os “experts” de Marx, as interpretações, só me baseando nas correspondências. Eu queria mostrar Marx, Engels et Jenny, a esposa de Marx, na vida concreta, a partir da própria palavra deles. Eles são jovens, eles têm em torno de vinte anos, eles são revoltados e eles ambicionam mudar o mundo. É essa a essência do filme. E meu objetivo, desde o início, foi essa formidável história que inspira jovens hoje em dia e espero que ela alimente seus próprios combates. Eu não fiz esse longa metragem olhando pelo retrovisor, mas olhando para a frente, em direção ao presente e ao futuro. Esse filme é um convite para que eles tomem as rédeas de suas vidas, como fizeram esses três jovens na época deles, um convite para que eles mudem tudo o que deve ser mudado, sem colocar limites a priori. Conheçam sua história, aprendam a ver a relação entre os eventos à primeira vista desconectados, se armem intelectualmente, se organizem e lutem! É um trabalho! Essa é a mensagem.

O filme tem uma cena que condensa os debates desenvolvidos na transformação da “Liga dos Justos” em “Liga dos Comunistas”. A exigência da cientificidade parece central na abordagem de Engels, que estava na tribuna para defender as ideias que ele compartilhava com Marx…

Sim, ele evidencia a necessidade de sair do romantismo. A Liga dos Justos tinha por lema “Todos os homens são irmãos”. Engels confronta com eloquência esse slogan à realidade das contradições sociais. Como apoiar, efetivamente, que o patrão e o operário, o explorador e o explorado, são irmãos? Não, decididamente, todos os homens não são irmãos. O novo lema se impõe então: “Proletários de todos os países uni-vos!” Claro, hoje em dia, cabe a nós saber o que incluir no termo “proletário”.

A ideia central do filme não é justamente essa? Na maneira pela qual ele mostra a maturação de um comunismo, saindo das contradições do real para ir em direção à realização do ideal, contra um socialismo utópico, que sobrepõe o ideal à realidade e que desarma, por conta disso, o proletariado?

As respostas que vinham à cabeça das pessoas naquela época eram aquelas daquele tempo. Era o início da revolução industrial, depois da Revolução Francesa. Estava-se começando a entender que são os homens que fazem a história, no momento mesmo em que se colocava em prática uma nova alienação do trabalho, por meio das grandes fábricas. Esse contexto contraditório favorece o desenvolvimento de grandes utopias, como o Falanstério de Fourier. Mas, é verdade, Marx renovou fundamentalmente o pensamento do movimento operário nascente, convidando a recomeçar da análise meticulosa das estruturas da sociedade. Para ele, era o único método verdadeiro para decidir em seguida – juntos – em qual direção se engajar. O romantismo não o interessa; ele quer demonstrações, com argumentos e provas. É uma maneira de pensar bastante alemã, num certo sentido. Em alemão, o verbo é colocado no fim da frase. Isso obriga a realmente refletir sobre que queremos dizer, antes de o dizer. É uma língua estruturante. No filme, a cena onde Marx pressiona Proudhon até o seu limite sobre a questão da propriedade ilustra bem essa diferença cultural. Diante de Proudhon, que decreta que a “propriedade é o roubo”, Marx pergunta: “Que propriedade?”. E ele não o deixa em paz. Ele não pode se satisfazer com tais generalizações.


Imagem do filme “O Jovem Karl Marx”

Como você conseguiu tornar instigante, na tela, os debates filosóficos complexos que, no papel, podem desinteressar os leigos?

Nós levamos dez anos para conseguir isso (risos). Não há segredo. O primeiro rascunho do roteiro era muito mais didático. Precisamos de muito trabalho para nos aproximarmos, uma versão após a outra, do cinema. Mas esse cinema tem como base o real, um cinema rigoroso! Não inventamos nada. Também pude contar com o talento de meu amigo roteirista, Pascal Bonitzer, que sabe transformar cenas suscetíveis de ser teóricas demais em cenas dinâmicas sem nunca abrir mão do conteúdo, do rigor das declarações. Por outro lado, eu priorizei atores que viessem do teatro: August Diehl (Karl Marx), Stefan Konarske (Friedrich Engels) e Vicky Krieps (Jenny Marx). São pessoas que tem a capacidade de criar personagens autênticos. Um diálogo é uma maneira de se posicionar, de se deslocar, de preencher ou não os silêncios. Na minha maneira de filmar, eu frequentemente recorro aos planos sequência, que oferecem uma verdadeira respiração aos atores, que permitem a eles modelar de verdade seus personagens.

Quais são as ideias força que você retém de Marx?

Ao contrário de meus contemporâneos, que só retêm dele a parte teórica, Marx é para mim, acima de tudo, uma maneira de apreender o mundo com uma curiosidade insaciável. Num embate memorável com Wilhelm Weitling, figura de proa do socialismo utópico alemão da época, Marx lança essa frase, que acho particularmente inspiradora: “A ignorância nunca ajudou ninguém”. Ora, hoje estamos em plena ignorância. Ignorância do outro, ignorância da nossa história. Nos apresentam insidiosamente os imigrantes como uma ameaça, a Europa se fecha sobre ela mesma… Assistimos à instalação de receitas de decadência, receitas para fim de reinado. É necessário aprender novamente a pensar dialeticamente, realçando as relações “escondidas”, colocando os fatos numa historicidade. Não há diversas histórias na Terra, mas uma só na qual tudo está ligado. A criação de riqueza numa região específica do globo é acompanhada pela criação de pobreza em outro ponto. Quando uma empresa abandona uma região, criando ali desemprego e miséria, ela não desaparece. Ela vai explorar outro lugar, ali onde os salários são mais baixos, ali onde a correlação de forças do capital-trabalho é favorável ao capital. E principalmente, onde quer que seja, não são aqueles que criam a riqueza que aproveitam, mas sim os proprietários, os acionistas.

Seu filme coloca o dedo na ferida da clivagem de classes da sociedade capitalista. Quer dizer, ele não se insere a priori no diapasão da indústria do espetáculo…. Você não encontrou obstáculos?

Evidentemente! É preciso se dar conta que esse filme sobre Marx é o primeiro do gênero no Ocidente. Então, é claro que deveríamos esperar que obstáculos pudessem aparecer. Primeiro, existe uma certa autocensura. Eu mesmo poderia ter entrado nessa armadilha. Mas dela me liberei com muito gosto. E quando comecei a trabalhar, ninguém tentou intervir na orientação do projeto. Eu também nunca teria tolerado isso. Foi no financiamento que tivemos algumas peripécias reveladoras. Antes de tudo, eu faço questão de dizer que eu sempre pude me apoiar num sistema que permanece bastante democrático, com incentivos, instituições que permitem, num sistema europeu, alcançar um certo orçamento. Eu nunca poderia ter realizado esse filme com investimentos americanos, você pode imaginar…. Então, para voltar à sua questão, na França e na Bélgica, conseguimos mais ou menos os financiamentos previstos. A surpresa veio da Alemanha onde nós tivemos que enfrentar, num primeiro momento, reações de rejeição. Quando nós submetemos o filme à comissão franco-alemã de apoio à produção de filmes, os três integrantes alemães votaram contra, e o único dos três franceses que votou contra era de origem alemã. Custo a crer em uma mera coincidência. Eles não devem ter gostado que um não alemão fizesse um filme sobre uma grande figura do patrimônio intelectual deles. A partir daí nós decidimos politizar a coisa e apresentá-la assim a nossos parceiros alemães. Uma barreira caiu, paradoxalmente, diante de uma comissão de incentivo na ex-Alemanha do Leste. Depois, foi mais simples. Mas o verdadeiro escândalo foi a atitude da instância europeia de apoio ao cinema, Euroimages, que nos recusou um incentivo decisivo, sob pressão de alguns países do ex-bloco do Leste. Resumindo, eles alegaram: nem pensar em Marx sem Stalin. Um ato de censura política para uma instituição que não tem nenhuma vocação para determinar conteúdos, mas sim de se pronunciar sobre a montagem financeira de um projeto de filme e sobre sua solidez. Um projeto fortemente apoiado pelas três maiores nações de cinema da Europa (França, Bélgica e Alemanha) foi eliminado autoritariamente por Chipre e alguns outros por razões políticas!

Seu filme abrange um público bem amplo. Mas o que você diz para os espectadores que se reconhecem na herança do autor de O Capital?

O Jovem Karl Marx questiona os enganos nas lógicas repressivas, autoritárias, mostrando toda a efervescência democrática no seio do movimento operário em vias de organização da qual Marx e Engels participavam. Os dois amigos são firmes, eles não medem palavras… Mas eles estão sempre abertos à discussão, eles nunca renunciam a convencer as pessoas. Toda a radicalidade do filme está aí, no fato de mostrar o alcance transformador desse gesto democrático e, principalmente, na necessidade de um pensamento claro. O campo progressista, no sentido mais amplo, nunca pôde, de batalha em batalha, realmente fazer sua autocrítica. Contudo, é necessário confrontar os erros, as errâncias, as ilusões, os crimes também, para ter início um outro combate. E esse, na democracia.

 

Tradução: Monique Matni

Fonte: L’Humanité (Via Algo a Dizer)

http://www.vermelho.org.br/noticia/305152-1

Walter Sorrentino: Estratégia frentista ampla para tirar o país da crise

Blog do Renato

Um ano é tempo demasiadamente longo em meio à crise política-institucional para supor inalteradas as variáveis do quadro político brasileiro; até porque muitas delas são ingovernáveis, como as da crescente judicialização da política (que, aliás, poderá conhecer um grau inédito de intervenção do STF e TSE na campanha.)

As eleições de 2018 já são parte cada vez mais central da conjuntura, mas as pesquisas precisam ser lidas apenas como sinalizações, porque há macro indefinições e não está cristalizada a evolução das incertezas e indefinições.

Nomes de candidatos não faltam: Lula ganha força e reduz rejeição; mesmo sangrado há tempos. No mesmo campo, Manuela d´Ávila estreia na contenda e Ciro mantém seus índices. Nos extremos, Boulos ensaia seus passos mais à esquerda e, à direita, Bolsonaro se mantém num campo definido e forte. Só Lula e Bolsonaro têm dois dígitos em pesquisas.

Alckmin não ultrapassa seus baixos índices, tem ainda muitas…

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Brasil é um laboratório neoliberal

Blog do Renato

Quando acontece uma crise fiscal como aconteceu agora, é necessário reduzir a despesa corrente do Estado, mas aumentar os investimentos públicos, mesmo que a custa de mais deficit no curto prazo. Ou seja, o Estado deve agir de forma contracíclica. E é necessário depreciar a moeda, para o país recuperar a competitividade. Mas a ortodoxia liberal rejeita a depreciação, porque ela obrigará os rentistas também a pagar pelo ajuste.

Hoje, no jornal Libération, foi publicado um artigo terrível para nós brasileiros, com o título, “Brasil, o novo laboratório neoliberal”. O povo brasileiro passou a ser um campo de provas para os experimentos neoliberais. Aplicados por quem? O jornal é claro: por um governo que, “com 5% de aprovação, reina não apenas sem o povo, mas contra o povo”.

O quadro não pode ser mais verdadeiro, mas faltou dizer: com o apoio de uma elite financeiro-rentista, que aceitou o diagnóstico neoliberal…

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