Esquerdismo, doença infantil do comunismo

‎”O doutrinarismo de esquerda obstina-se em repelir incondicionalmente certas formas antigas, sem ver que o novo conteúdo abre seu caminho através de todas as espécies de formas e que nosso dever de comunistas consiste em dominá-las todas, em aprender a completar umas com as outras e a substituir umas por outras com a máxima rapidez, em adaptar a nossa tática a qualquer modificação dessa natureza, causada por uma classe que não seja a nossa ou por esforços que não os nossos”.

Lênin
Em última instância, os dois desvios de doutrinarismo de direita ou de esquerda, que podem se tornar em oportunismos político-ideológicos, decorrem do “afastamento na prática da dialética marxista”.
http://blogdocarlosmaia.blogspot.com.br/2012/04/esquerdismo-doenca-infantil-do.html

Sobre a necessidade de um partido político revolucionário:

• Na política, onde as coisas são mais complexas, nem sempre é fácil estabelecer quais são os compromissos justos e necessários e quais são os compromissos que acarretam prejuízos para o desenvolvimento do processo revolucionário.

• Por isso é necessário a existência de uma organização partidária com quadros experimentados que “além dos conhecimentos e da experiência”, tenham “sagacidade para resolver bem e rapidamente as questões políticas complexas”.

 
Lênin

Os serviços de Marina Silva

Luiz Manfredini *

 

Nos anos 90, a direita dispunha de um programa para o Brasil: o programa neoliberal. Beneficiária da atmosfera regressiva criada pela queda do Muro de Berlin e dissolução da União Soviética, no curso de uma ampla crise do socialismo e de um notável avanço do capital, ela sensibilizou o eleitorado brasileiro com suas propostas aparentemente inovadoras de privatizações, Estado mínimo e outros quejandos.

E indicou para representá-la um egresso da esquerda, o então senador Fernando Henrique Cardoso, que cumpriu dois mandatos presidenciais. Digamos assim: a direita estava com tudo.

Mas o modelo neoliberal sofreu reveses decisivos no Brasil e no mundo. A partir de 2003 o Governo Lula inaugurou um novo modelo que, a despeito de equívocos e limitações, confrontou-se com o receituário neoliberal, vitaminou o crescimento econômico com justiça social e soberania nacional e, assim, ganhou a alma da maioria dos brasileiros. A Presidente Dilma se elegeu no bojo desse movimento para a esquerda. E a direita ficou sem programa e, portanto, órfã de propostas para o Brasil. Nos últimos anos, amparada em seu vasto poderio midiático, restou-lhe atacar o governo a partir do velho cantochão do moralismo e de pontos isolados que estão longe de se constituírem uma alternativa à plataforma da esquerda. 

Mas isto não basta para a direita vislumbrar alguma perspectiva, que não a derrota, nas eleições de 201. Assim, procura construir ou ajudar a construir cenários adicionais que, mesmo indiretamente, a favoreçam. Um desses cenários é o da fragmentação do quadro partidário e de alianças eleitorais, na esperança de evitar a vitória da Presidente Dilma já no primeiro turno, como apontam as pesquisas. Daí a grande mídia privada e mesmo próceres da direita saudarem o lançamento, no dia 16 de fevereiro, em Brasília, do partido da ex-senadora Marina Silva, a tal Rede Sustentabilidade, ou simplesmente Rede.

Marina não dispõe mais dos 20 milhões de votos que auferiu em 2010 em circunstâncias políticas irrepetíveis. Mas seu capital eleitoral – ali pelos 9%, segundo estimam pesquisas atuais – ainda é respeitável. A direita conta com eles para tentar impedir a vitória de Dilma já no primeiro turno. E se esforça para isso, inclusive oferecendo quadros ao novo partido. O deputado federal paulista Walter Feldman, por exemplo, um tucano histórico e sempre muito bem votado, é apontado como um dos fundadores da agremiação de Marina. Claro que não será fácil amealhar, até outubro, as 500 mil adesões necessárias para legalizar o partido, mas a direita certamente vai ajudar.

Mas o partido da ex-senadora pelo Acre, além dos serviços que prestará à direita, ainda que indiretamente, contém singularidades que não passaram desapercebidas. A primeira, nas palavras da própria Marina: “Estamos na época ao paradoxo, nem situação, nem oposição a Dilma. Precisamos de posição”. Nem oposição, nem situação, mas posição? O que é isso? Parece tiradinha de publicitário. E mais: “Nem direita, nem esquerda. Estamos à frente”. Mas onde está o partido, em que galáxia? Isso me cheira à senha para o oportunismo, pois numa agremiação que assim se define, cabe todo mundo. Também a afirmação de Marina de que o Rede vai romper com “a lógica de partidos a serviços de pessoas” soa como embuste. Não está a serviço de pessoas, mas só ela é quem aparece.

Não vai o partido de Marina aceitar contribuições de empresas de cigarro, armas, agrotóxicas e bebidas alcoólicas. Mas nada fala a respeito das doações de bancos e empreiteiras. Uns, como o deputado Walter Feldman, falam que a agremiação só aceitará dirigentes e candidatos com ficha limpa, regra que não vale para filiados em geral. Outros, como um dos fundadores, João Paulo Capobianco, asseguram que a legenda vai “coibir a entrada de ficha suja”. Ingressa ficha suja ou não? A confusão está precocemente formada, o que não soa estranho a um partido que não possui carta programática, no qual metade dos filiados poderá ter a opinião que desejar, à margem das orientações partidárias.

Tais orientações foram coletadas entre os primeiros aderentes. No evento de lançamento, em Brasília, os participantes – alguns deles se denominam “sonháticos” – relataram sonhos ao microfone ou por escrito. Como notou, em artigo recente, o biólogo e professor Pedro Luiz Teixeira de Camargo, “as ideias eram as mais divergentes possíveis, passando pelo mote ‘mais Joaquim Barbosa, por favor’, até a palavra mágica “amor”. Para ele, “a partir do momento em que metade dos filiados não precisa seguir um programa partidário, busca-se o enfraquecimento dos partidos políticos”. E aí está um ponto crucial nessa iniciativa, a primeira que busca desclassificar a instituição partido como instrumento primordial da política. Diz Marina: . “Estamos num processo de desconstrução de que o partido tem monopólio da política, queremos quebrar isso”. É a ação declarada contra os partidos, a tentativa de despolitização da sociedade. 

Em seu oportuno artigo, Pedro Luiz Teixeira de Camargo conclui: 

“É fundamental mostrar a toda a sociedade a verdadeira faceta de Marina Silva e de sua Rede: servir de legenda para deputados insatisfeitos em seus partidos, garantir um partido para a realização pessoal da ex-senadora e, principalmente: servir de sublegenda para a direita neoliberal. Desgastada devido aos bons governos de Lula e Dilma, a direita tradicional precisa se repaginar, e nada melhor que usar uma ex-militante de esquerda, ainda mais se puderem pintar o tucano de verde, que pode deixar de ser a cor da esperança para passar a ser a cor da preocupação”.

Gelatinoso como é, o partido da ex-senadora mereceu definição antológica do jornalista Cláudio Gonzalez: “Não é um partido, é uma ONG que receberá dinheiro do fundo partidário”. Ou, como afirmou o impagável José Simão, dia desses: a Rede de Marina “é o PSD que não come carne”.

 

* Jornalista e escritor em Curitiba, representa no Paraná a Fundação Maurício Grabois e é autor de “As moças de Minas”, “Memória de Neblina”, “Sonhos, utopias e armas” e “Vidas, veredas: paixão”.

 

http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5133&id_coluna=66

13º Congresso deverá analisar e apontar perspectivas para o país

 

Nesta sexta-feira (22), em reunião da Comissão Política do Partido Comunista do Brasil, o aniversariante do dia, presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, fez sua intervenção tendo como tema central o 13º Congresso do Partido.

 

 

 

Renato Rabelo: O 13º Congresso Nacional do PCdoB deverá apontar perspectivas para o Brasil

A Comissão Política Nacional do PCdoB reuniu-se na sede do Partido em São Paulo, tendo como pauta a preparação do 13º Congresso nacional do Partido que se realizará em novembro deste ano, na capital paulista. De acordo com o presidente, Renato Rabelo, o temário do Congresso será definido pelo Comitê Central, em reunião, no final de março deste ano.

Ao fazer a abertura da discussão, Renato proferiu que “2013 é um ano-chave que concentra fatores externos e internos definidores de tendências e perspectivas tendo em vista as eleições gerais de 2014”. Para ele, o Congresso do PCdoB deverá se basear em dois principais temas, o primeiro seria um balanço destes últimos quatro anos e uma atualização da perspectiva do Partido para o Brasil. O segundo tema indicado por Renato seria um balanço do curso geopolítico e da situação da crise sistêmica desde o 12º Congresso (2009) até a situação atual. “Devemos debater sobre essa crise que se alonga e que se acentua”.

Para fazer esta avaliação, Rabelo afirmou que é fundamental também analisar os 10 anos de governos progressistas, populares e democráticos, iniciado em 2003, com a vitória de Lula e com a eleição da presidenta Dilma Rousseff. Parafraseando Dilma, Renato apontou: “Nós brasileiros sabemos qual a melhor década da nossa história recente”.

Com isso, o dirigente nacional confirmou que a conquista política maior desta década é a ascensão das forças democráticas, progressistas e de esquerda ao centro do poder nacional, contando com crescente apoio popular e a continuidade da ação com a eleição da primeira mulher à presidência da República, comprometida com o avanço desse projeto.

Oposição – críticas recorrentes

A conjunção desses fatores neste ano – disse Renato, em contraste com a ausência de alternativa viável e de derrotas eleitorais da oposição – vem acirrando o processo político, com a aproximação do grande embate político-eleitoral de 2014.

O presidente lembrou que “a oposição só enxerga erros e fracassos e por isso devemos fazer o enfrentamento na luta de massas e na luta de ideias. A oposição no seu ‘braço político’, demonstra desespero, desnorteada, ainda tentando seu caminho. Seu ideólogo maior, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso desespera-se com a comparação do período atual com o seu tempo de governo, dizendo pra que comparar se já ocorreu ‘há muito tempo’. Isso é ‘picuinha’, é ‘coisa de criança’. Como é isso? Questiona Renato, se o processo analítico deve ser feito”.

Da mesma maneira, prosseguiu o presidente nacional, o senador Aécio (PSDB-MG), mesmo com todo destaque da grande mídia, faz uma critica de clichê, requentada, sem indicar nenhuma alternativa. Em verdade aflige a própria oposição porque não demonstra estatura para a disputa presidencial.

Contudo, Renato constata que o PCdoB deve se empenhar pela unidade da base aliada, em torno da reeleição da presidenta Dilma, tendo como referencia um Projeto de nova arrancada no rumo de maiores conquistas para o povo e a Nação.

Plano econômico

Renato confia que o desempenho da economia pode se transformar em tema central do debate eleitoral de 2014. Para ele, a economia brasileira se desenvolve ao meio à crise do capitalismo central, que se manifesta agora mais agudamente na Europa, em recessão. “A retomada da economia dos EUA é extremamente frágil. Por isso, a crise contribuiu para que as economias dos países periféricos, assim chamados, passassem a crescer a taxas menores”. A China cresceu 7,8% em 2012; o PIB da Rússia cresceu a 3,4% em 2012; a Índia em 2012, crescendo a 5%.

O dirigente pondera que no caso brasileiro, as taxas recentes de crescimento do PIB têm sido bem menores que a média do período imediatamente anterior, ou seja, do período Lula. Em 2011, primeiro ano do governo Dilma, houve uma diminuição significativa do ritmo que ficou em 2,7%. Em 2012, um novo recuo para um índice que deve ficar em torno de 1,3%. 

Para a contenção da crise, pronunciou Renato, “o governo Dilma Rousseff tem adotado um receituário bastante amplo com o intuito de enfrentar os efeitos da crise e os problemas já existentes na economia do país. Pode-se dizer que a presidenta Dilma redirecionou boa parte da política macroeconômica. Medidas estas que merecem o apoio do PCdoB”.

Segundo a avaliação do presidente, entretanto, algumas medidas têm sido insuficientes para produzir uma nova arrancada de crescimento. E por isso, cresce entre as forças da base do governo, partidos políticos e intelectuais, a discussão sobre as saídas para que o país volte a crescer mais aceleradamente. Fala-se muito em aumentar o nível dos investimentos, particularmente em infraestrutura. Fala-se também, frequentemente, em retomar a industrialização. Há os que colocam em destaque os problemas de gestão. 

Para Renato, essa questão deve ser tratada no bojo de uma nova política macroeconômica. “Já é parte importante os avanços conquistados pelo governo, como a redução na taxa de juros, a melhoria na distribuição de renda, etc. Falta agora uma definição mais nítida que foque a questão na taxa de câmbio. Avaliação que, aliás, se assemelham às de Bresser Pereira e Delfim Netto”, disse ele.

De acordo com o presidente nacional, o PCdoB deve continuar insistindo “na retomada da industrialização, no aumento dos investimentos em infraestrutura, a diminuição dos juros básicos da economia como objetivos e na busca imediata de uma taxa de câmbio que possa impulsionar o crescimento e a industrialização”.

A taxa de desemprego do país ficou em 4,6% em dezembro e fechou o ano de 2012 em 5,5%, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os dados mostram que o índice anual é o mais baixo da série histórica iniciada em março de 2002. Antes disso, a taxa de 2011 havia sido a menor da série, ao ficar em 6%. Em um período de dez anos, de 2003 a 2012, as seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE teve redução de 48,7% no total de desempregados. O número de pessoas desocupadas caiu de 2,6 milhões para 1,3 milhão. O total de ocupados aumentou 24% em dez anos, com acréscimo de 4 milhões de postos de trabalho. Na média do ano, a população ocupada chegou a 23 milhões de pessoas.

Com base nisso, do ponto de vista econômico, ainda segundo Renato, “a retomada do desenvolvimento é importante e tem sido possível manter um nível de emprego,” finaliza.

 

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=206635&id_secao=1

 

OS ERROS HISTÓRICOS DO VOLUNTARISMO

Por Altamiro Borges* – Princípios 81 – 2005 – entenda porque a solidariedade da esquerdalha é com a direita

 
Além da similaridade na raivosa oposição ao governo Lula, o PSTU e o PSOL têm outro ponto de contato na leitura voluntarista que fazem sobre a atual correlação de forças no Brasil e no mundo.

Isto talvez se explique pela forte influência exercida em ambos partidos das concepções do trotskista argentino Nahuel Moreno, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). Para a chamada corrente “morenista”, que parece sofrer do mal crônico do “otimismo voluntarista”, segundo corrosiva ironia de uma importante seção que rompeu com a LIT nos anos 1990 , a revolução socialista estaria sempre à espreita na próxima esquina. O menor sinal de resistência popular é encarado como um “vírus revolucionário” .

Essa visão idealista — que coloca a vontade acima da realidade concreta —, parece derivar da leitura mecânica da obra mais famosa de Leon Trostky, Programa de Transição, base para a criação da IV Internacional em 1938. Neste texto, seguido como bíblia pela “ortodoxia trotskista”, o autor é taxativo: “Os falatórios de toda espécie, segundo os quais as condições históricas não estariam ‘maduras’ para o socialismo, são apenas produto da ignorância ou de um engano consciente. As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer… Tudo depende, antes de mais nada, da sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária”.

Um balanço mais detido da trajetória da LIT, matriz do PSTU e de vários grupos do PSOL, deveria servis para tirar férteis lições de suas trágicas experiências. O “otimismo voluntarista” já conduziu esta corrente mundial a diversos becos sem saída, a graves erros políticos. Alguns casos são emblemáticos. Eles só confirmam que a avaliação incorreta da real correlação de forças pode resultar em graves derrotas e duros revezes para o movimento operário. Como ensina Vladimir Lênin, o segredo da tática revolucionária é a análise concreta da realidade concreta. É ilustrativo lembrar alguns desses episódios.

Trágicas experiências

Um que ficou famoso, gerando irônicos comentários na esquerda mundial, se deu na Nicarágua em 1979. Em pleno processo revolucionário nesta nação centro-americana, a corrente morenista decidiu organizar a Brigada Simon Bolívar e enviar militantes de vários países para a guerrilha contra a ditadura de Somoza. Após a vitória da revolução sandinista, entretanto, esta brigada passou a fazer oposição aberta ao novo governo de reconstrução nacional, taxando-o de “burguês e pró-imperialista”. Acusando o grupo de “provocador trotskista” e de fazer o jogo da reação e do imperialismo, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) decidiu, em agosto de 1979, expulsar os seus membros não nicaragüenses do país. 

O Secretariado Unificado da IV Internacional — que na época ainda conseguia reunir o grosso das correntes trotskistas — enviou então uma delegação a Manágua para averiguar o caso. Esta declara, em 3 de setembro, que “todas as atividades que busquem hoje em dia criar divisões das massas mobilizadas e a FSLN são contrárias aos interesses da revolução. Este é o caso, em especial, da Brigada Simon Bolívar. Numa situação política e econômica que exigi a maior unidade na luta possível, a FSLN teve razão em exigir que os membros não nicaragüenses saíssem do país” (Intercontinental Press, 24 de setembro de 1979). O deprimente episódio ocasionou mais uma fratricida divisão no trotskismo mundial. 

Outro momento dramático na história da LIT — e das esquerdas em geral — se deu com a desintegração da URSS e do bloco soviético, a partir do final dos anos 1980. Na clássica tese trotskista, estes regimes seriam “Estados operários degenerados “, que demandariam “revoluções políticas” para retomar o curso socialista. Moreno, porém, tratou de “atualizar o Programa de Transição”, prevendo duas etapas nesta estratégia: a “revolução de fevereiro”, democrática, seguida da “revolução de outubro”, socialista. Com este esquema unilateral, que não levava em conta o complexo jogo de interesses no Leste Europeu, a LIT e suas filiais saudaram, eufóricas, os tristes episódios que resultaram na restauração da barbárie capitalista na região.

Em 1990, após seu III Congresso, a LIT esbanjava otimismo. “Do mesmo modo que os últimos meses significaram uma virada histórica para a humanidade, eles foram para a LIT o salto para ganhar influência em setores de massas (…) O trotskismo está vivo porque a revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha a gloriosa luta de massas (…) Está se abrindo a hora do socialismo com democracia” (Correio Internacional, julho de 1990). Tamanho erro de cálculo custou caro. Como repisa uma seita rival “antes da destruição dos estados operários, o morenismo apoiou todos os movimentos que serviram de ponta de lança do imperialismo contra a URSS, como a reacionária guerrilha islâmica impulsionada pela CIA no Afeganistão (…) Na Polônia, reivindicou um governo de Lech Walessa e ‘todo poder ao Solidariedade’” 

Mais recentemente, esta corrente entrou novamente em parafuso com os rápidos e turbulentos da Venezuela. Seus seguidores se fragmentaram em vários pedaços. A maior referência do “morenismo” neste país, o ex-deputado constituinte Alberto Franceschi, é hoje um dos principais porta-vozes da direita; foi um dos líderes da tentativa frustrada de golpe em abril de 2002; tornou-se um próspero produtor agrícola e um poderoso empresário do ramo de transporte. Na década de 1980, como líder do MIR da Venezuela, Franceschi foi peça-chave na fundação da LIT e, junto com Nahuel Moreno, escreveu as “Teses sobre guerrilheirismo” (1986), um texto de polêmica com os revolucionários cubanos.

Já o seu sucessor na internacional “morenista”, o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), esbarrou no sectarismo da LIT. Isto porque apóia o governo Hugo Chávez, mesmo mantendo a linha das “denúncias e exigências”, outra invenção de Moreno. Esta postura gerou a ira de várias seitas trotskistas. “A posição do PST é tão vergonhosa que seu próprio partido-irmão, o PSTU, denunciou que ‘o conjunto da esquerda apoiou Chávez (…) e o fez sem denunciar o caráter populista e demagógico de seu programa’” . Devido a essas fraturas, a LIT sucumbiu no país. Em documento recente, garante que Chávez “quer negociar com a esquerda e o imperialismo” e que “hoje não existe na Venezuela uma organização nacional no campo do proletariado com uma política revolucionária e classista, em oposição ao governo pela esquerda” .

Equívocos grosseiros

Outro trauma desta corrente provém da Argentina. Neste caso, a ferida é profunda e nunca cicatrizou. Afinal, o “morenismo” nasceu nesse país. Nele, teve início da militância de Hugo Miguel Bressano como assessor do Sindicato dos Têxteis (AOT) e dos Trabalhadores em Frigoríficos Anglo-Ciabasa. Convertido ao trotskismo nos anos 1940, ele se projetaria com o nome de Nahuel Moreno. Sua militância foi marcada por vários ziguezagues, tanto que muitos o taxam de “camaleão político” . Na sua trajetória, ele organizou vários partidos e foi construtor do influente Movimento ao Socialismo (MAS).
Impregnado até a medula do “otimismo voluntarista”, Moreno tentou várias vezes apressar artificialmente os fatos políticos, desprezando a correlação de forças. Com o fim da ditadura e a vitória de Raul Alfosin, profetizou o imediato trânsito ao socialismo. “Estão dados todos os elementos para que triunfe a “revolução de Outubro”, afirmou. Os equívocos aventureiros acabaram por implodir o MAS, o “partido-mãe” da LIT. Hoje a corrente “morenista” está reduzida a frangalhos, tendo a minúscula Frente Operária e Socialista (FOS) como filiada da LIT e quase uma dezena de seitas trotskistas. 

Apesar disso, ela permanece com sua cegueira voluntarista. Após a revolta popular de 2001-02, ela concluiu: “Em nosso país se iniciou uma verdadeira revolução (…) que deixou em ruína o regime democrático-burguês” .

Por último, neste breve balanço dos grosseiros erros da corrente “morenista”, uma pitada de Cuba. Após um rápido namoro com a revolução cubana, Nahuel Moreno passou a tratar a “ditadura de Fidel Castro” como um feroz inimigo. Resoluções da LIT recomendavam incentivar a “revolução política” no país. Um renomado trotskista brasileiro chegou a dizer que “apoiaremos uma revolução que consideramos iminente contra o regime burocrático de Fidel (…) Achamos que é necessário lutar contra o partido Comunista” . Agora, quando os EUA conspiram frebilmente contra a ilha, a LIT volta à tona com seus devaneios.

Mesmo com o governo cubano reconhecendo que faz concessões para manter as conquistas da revolução, ela insiste em desconhecer a correlação de forças. Enquanto a maioria da esquerda reafirma o seu apoio à ilha, a LIT condena suas recentes decisões judiciais. “As medidas repressivas do regime cubano merecem o repúdio, porque não são mais que medidas dirigidas a amordaçar os trabalhadores e o povo, enquanto as medidas econômicas abrem as portas do país ao imperialismo europeu (…) Devemos dizer claramente que os socialistas não se confundem com o regime repressivo de Castro” . Aplausos de George W. Bush! 

Jean Philippe Dives. “Elementos para balanço da LIT e do morenismo”. Documentos do MAS.
Joaquim Soriano. “O novo curso da Convergência Socialista”, Em Tempo, julho/agosto de 1990.
Osvaldo Coggiola. O trotskismo na América Latina. Brasiliense, São Paulo, 1984.
“Fim da URSS, divisão da LIT e o legado de Moreno”. Liga Bolchevique Internacionalista (LBI).
“A esquerda venezuelana é um apêndice do chavismo”. Boletim da Corrente Bolchevique pela Quarta Internacional (CBQI).

Américo Gomes. “Venezuela: revolução na encruzilhada”. Marxismo Vivo, dezembro de 2002.
Osvaldo Coggiola. Trotsky ontem e hoje. Oficina de Livros, Belo Horizonte, 1990.
Alejandro Iturbe. “Estalló la revolución”. Correo Internacional, n. 93, janeiro de 2002.
Ricardo de Azevedo. “Qual é a tua, Convergência?”. Revista Teoria e Política, abril de 1990.
“Por que estamos contra os recentes fuzilamentos em Cuba”. Correo Internacional, junho de 2003. 

EDIÇÃO 81, OUT/NOV, 2005, PÁGINAS 44, 45

OS ERROS HISTÓRICOS DO VOLUNTARISMO

Por Altamiro Borges* – Princípios 81 – 2005 – entenda porque a solidariedade da esquerdalha é com a direita

 
Além da similaridade na raivosa oposição ao governo Lula, o PSTU e o PSOL têm outro ponto de contato na leitura voluntarista que fazem sobre a atual correlação de forças no Brasil e no mundo.

Isto talvez se explique pela forte influência exercida em ambos partidos das concepções do trotskista argentino Nahuel Moreno, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). Para a chamada corrente “morenista”, que parece sofrer do mal crônico do “otimismo voluntarista”, segundo corrosiva ironia de uma importante seção que rompeu com a LIT nos anos 1990 , a revolução socialista estaria sempre à espreita na próxima esquina. O menor sinal de resistência popular é encarado como um “vírus revolucionário” .

Essa visão idealista — que coloca a vontade acima da realidade concreta —, parece derivar da leitura mecânica da obra mais famosa de Leon Trostky, Programa de Transição, base para a criação da IV Internacional em 1938. Neste texto, seguido como bíblia pela “ortodoxia trotskista”, o autor é taxativo: “Os falatórios de toda espécie, segundo os quais as condições históricas não estariam ‘maduras’ para o socialismo, são apenas produto da ignorância ou de um engano consciente. As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer… Tudo depende, antes de mais nada, da sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária”.

Um balanço mais detido da trajetória da LIT, matriz do PSTU e de vários grupos do PSOL, deveria servis para tirar férteis lições de suas trágicas experiências. O “otimismo voluntarista” já conduziu esta corrente mundial a diversos becos sem saída, a graves erros políticos. Alguns casos são emblemáticos. Eles só confirmam que a avaliação incorreta da real correlação de forças pode resultar em graves derrotas e duros revezes para o movimento operário. Como ensina Vladimir Lênin, o segredo da tática revolucionária é a análise concreta da realidade concreta. É ilustrativo lembrar alguns desses episódios.

Trágicas experiências

Um que ficou famoso, gerando irônicos comentários na esquerda mundial, se deu na Nicarágua em 1979. Em pleno processo revolucionário nesta nação centro-americana, a corrente morenista decidiu organizar a Brigada Simon Bolívar e enviar militantes de vários países para a guerrilha contra a ditadura de Somoza. Após a vitória da revolução sandinista, entretanto, esta brigada passou a fazer oposição aberta ao novo governo de reconstrução nacional, taxando-o de “burguês e pró-imperialista”. Acusando o grupo de “provocador trotskista” e de fazer o jogo da reação e do imperialismo, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) decidiu, em agosto de 1979, expulsar os seus membros não nicaragüenses do país. 

O Secretariado Unificado da IV Internacional — que na época ainda conseguia reunir o grosso das correntes trotskistas — enviou então uma delegação a Manágua para averiguar o caso. Esta declara, em 3 de setembro, que “todas as atividades que busquem hoje em dia criar divisões das massas mobilizadas e a FSLN são contrárias aos interesses da revolução. Este é o caso, em especial, da Brigada Simon Bolívar. Numa situação política e econômica que exigi a maior unidade na luta possível, a FSLN teve razão em exigir que os membros não nicaragüenses saíssem do país” (Intercontinental Press, 24 de setembro de 1979). O deprimente episódio ocasionou mais uma fratricida divisão no trotskismo mundial. 

Outro momento dramático na história da LIT — e das esquerdas em geral — se deu com a desintegração da URSS e do bloco soviético, a partir do final dos anos 1980. Na clássica tese trotskista, estes regimes seriam “Estados operários degenerados “, que demandariam “revoluções políticas” para retomar o curso socialista. Moreno, porém, tratou de “atualizar o Programa de Transição”, prevendo duas etapas nesta estratégia: a “revolução de fevereiro”, democrática, seguida da “revolução de outubro”, socialista. Com este esquema unilateral, que não levava em conta o complexo jogo de interesses no Leste Europeu, a LIT e suas filiais saudaram, eufóricas, os tristes episódios que resultaram na restauração da barbárie capitalista na região.

Em 1990, após seu III Congresso, a LIT esbanjava otimismo. “Do mesmo modo que os últimos meses significaram uma virada histórica para a humanidade, eles foram para a LIT o salto para ganhar influência em setores de massas (…) O trotskismo está vivo porque a revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha a gloriosa luta de massas (…) Está se abrindo a hora do socialismo com democracia” (Correio Internacional, julho de 1990). Tamanho erro de cálculo custou caro. Como repisa uma seita rival “antes da destruição dos estados operários, o morenismo apoiou todos os movimentos que serviram de ponta de lança do imperialismo contra a URSS, como a reacionária guerrilha islâmica impulsionada pela CIA no Afeganistão (…) Na Polônia, reivindicou um governo de Lech Walessa e ‘todo poder ao Solidariedade’” 

Mais recentemente, esta corrente entrou novamente em parafuso com os rápidos e turbulentos da Venezuela. Seus seguidores se fragmentaram em vários pedaços. A maior referência do “morenismo” neste país, o ex-deputado constituinte Alberto Franceschi, é hoje um dos principais porta-vozes da direita; foi um dos líderes da tentativa frustrada de golpe em abril de 2002; tornou-se um próspero produtor agrícola e um poderoso empresário do ramo de transporte. Na década de 1980, como líder do MIR da Venezuela, Franceschi foi peça-chave na fundação da LIT e, junto com Nahuel Moreno, escreveu as “Teses sobre guerrilheirismo” (1986), um texto de polêmica com os revolucionários cubanos.

Já o seu sucessor na internacional “morenista”, o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), esbarrou no sectarismo da LIT. Isto porque apóia o governo Hugo Chávez, mesmo mantendo a linha das “denúncias e exigências”, outra invenção de Moreno. Esta postura gerou a ira de várias seitas trotskistas. “A posição do PST é tão vergonhosa que seu próprio partido-irmão, o PSTU, denunciou que ‘o conjunto da esquerda apoiou Chávez (…) e o fez sem denunciar o caráter populista e demagógico de seu programa’” . Devido a essas fraturas, a LIT sucumbiu no país. Em documento recente, garante que Chávez “quer negociar com a esquerda e o imperialismo” e que “hoje não existe na Venezuela uma organização nacional no campo do proletariado com uma política revolucionária e classista, em oposição ao governo pela esquerda” .

Equívocos grosseiros

Outro trauma desta corrente provém da Argentina. Neste caso, a ferida é profunda e nunca cicatrizou. Afinal, o “morenismo” nasceu nesse país. Nele, teve início da militância de Hugo Miguel Bressano como assessor do Sindicato dos Têxteis (AOT) e dos Trabalhadores em Frigoríficos Anglo-Ciabasa. Convertido ao trotskismo nos anos 1940, ele se projetaria com o nome de Nahuel Moreno. Sua militância foi marcada por vários ziguezagues, tanto que muitos o taxam de “camaleão político” . Na sua trajetória, ele organizou vários partidos e foi construtor do influente Movimento ao Socialismo (MAS).
Impregnado até a medula do “otimismo voluntarista”, Moreno tentou várias vezes apressar artificialmente os fatos políticos, desprezando a correlação de forças. Com o fim da ditadura e a vitória de Raul Alfosin, profetizou o imediato trânsito ao socialismo. “Estão dados todos os elementos para que triunfe a “revolução de Outubro”, afirmou. Os equívocos aventureiros acabaram por implodir o MAS, o “partido-mãe” da LIT. Hoje a corrente “morenista” está reduzida a frangalhos, tendo a minúscula Frente Operária e Socialista (FOS) como filiada da LIT e quase uma dezena de seitas trotskistas. 

Apesar disso, ela permanece com sua cegueira voluntarista. Após a revolta popular de 2001-02, ela concluiu: “Em nosso país se iniciou uma verdadeira revolução (…) que deixou em ruína o regime democrático-burguês” .

Por último, neste breve balanço dos grosseiros erros da corrente “morenista”, uma pitada de Cuba. Após um rápido namoro com a revolução cubana, Nahuel Moreno passou a tratar a “ditadura de Fidel Castro” como um feroz inimigo. Resoluções da LIT recomendavam incentivar a “revolução política” no país. Um renomado trotskista brasileiro chegou a dizer que “apoiaremos uma revolução que consideramos iminente contra o regime burocrático de Fidel (…) Achamos que é necessário lutar contra o partido Comunista” . Agora, quando os EUA conspiram frebilmente contra a ilha, a LIT volta à tona com seus devaneios.

Mesmo com o governo cubano reconhecendo que faz concessões para manter as conquistas da revolução, ela insiste em desconhecer a correlação de forças. Enquanto a maioria da esquerda reafirma o seu apoio à ilha, a LIT condena suas recentes decisões judiciais. “As medidas repressivas do regime cubano merecem o repúdio, porque não são mais que medidas dirigidas a amordaçar os trabalhadores e o povo, enquanto as medidas econômicas abrem as portas do país ao imperialismo europeu (…) Devemos dizer claramente que os socialistas não se confundem com o regime repressivo de Castro” . Aplausos de George W. Bush! 

Jean Philippe Dives. “Elementos para balanço da LIT e do morenismo”. Documentos do MAS.
Joaquim Soriano. “O novo curso da Convergência Socialista”, Em Tempo, julho/agosto de 1990.
Osvaldo Coggiola. O trotskismo na América Latina. Brasiliense, São Paulo, 1984.
“Fim da URSS, divisão da LIT e o legado de Moreno”. Liga Bolchevique Internacionalista (LBI).
“A esquerda venezuelana é um apêndice do chavismo”. Boletim da Corrente Bolchevique pela Quarta Internacional (CBQI).

Américo Gomes. “Venezuela: revolução na encruzilhada”. Marxismo Vivo, dezembro de 2002.
Osvaldo Coggiola. Trotsky ontem e hoje. Oficina de Livros, Belo Horizonte, 1990.
Alejandro Iturbe. “Estalló la revolución”. Correo Internacional, n. 93, janeiro de 2002.
Ricardo de Azevedo. “Qual é a tua, Convergência?”. Revista Teoria e Política, abril de 1990.
“Por que estamos contra os recentes fuzilamentos em Cuba”. Correo Internacional, junho de 2003. 

EDIÇÃO 81, OUT/NOV, 2005, PÁGINAS 44, 45

O trotskismo, corrente política contra-revolucionária – João Amazonas (1984)

João Amazonas, na revista Princípios, edição de maio de 1984

O trotsquismo continua a exalar miasmas no ambiente da luta social e política. Em toda parte onde cresce o movimento revolucionário, aí aparecem os trotskistas para confundir, diversionar, enganar as massas. Difundindo teses sectárias, intitulando-se falsamente de marxistas e até de leninistas, fazem o jogo da reação e do imperialismo. Seu alvo predileto de ataque é o partido do proletariado baseado na doutrina de Marx, Engels, Lênin e Stalin. Embora divididos em diversos agrupamentos, sua tática pouco varia. Apóiam-se nas teorias fracassadas de Leon Trotsky.

 

Ainda que não representem grande coisa como organização, influenciam certos setores do movimento popular, notadamente os de origem pequeno-burguesa. No passado, tinham sido amplamente desmascarados, mas as novas gerações de combatentes da causa socialista desconhecem a trajetória e os verdadeiros objetivos do trotskismo. Vale a pena recordá-los e atualizá-los a fim de ajudar as massas na luta por sua completa libertação.

TEÓRICO MALOGRADO

O trotskismo desenvolveu-se no seio do movimento operário russo nas três primeiras décadas do nosso século. Está intimamente ligado com a atuação de Leon Trotsky, intelectual pretensioso que jamais conseguiu assimilar os ensinamentos científicos do marxismo. Desde a criação dos primeiros círculos revolucionários na Rússia para combater o czarismo e organizar o partido da classe operária, Trotsky manifestou suas tendências individualistas, pequeno-burguesas, procurando ocupar de qualquer maneira as posições de chefia do movimento proletário. Na história do bolchevismo, fundado e orientado por Vladimir Ilitch Lênin, que levou a revolução à vitória em 1917, Trotsky aparece meteoricamente, em fuga constante do esforço comum para forjar aquele partido. Suas teorias, se se pode assim denominar esse amontoado de incoerências, são ecléticas e metafísicas. O conteúdo de classe é pequeno-burguês. Uma das principais teses de Trotsky é a da chamada revolução permanente, elaborada em 1906 e retocada várias vezes. Aí ele nega as etapas da revolução e a construção do socialismo num só país, introduz o aventurismo no plano da revolução mundial. Os marxistas-leninistas consideram a revolução em todo o mundo como um processo de lutas radicalizadas que se desenvolvem em níveis diversos e em distintos países, nos cinco continentes.

 

Antes da fase monopolista do capitalismo, Marx e Engels afirmavam que a transformação revolucionária da sociedade somente seria possível se realizada simultaneamente nos centros mais avançados. Essa opinião, entretanto, tornou-se antiquada na vigência do sistema imperialista, época em que o desenvolvimento desigual do capitalismo, as contradições geradas por esse sistema possibilitavam que a revolução proletária pudesse surgir em alguns países, ou mesmo num único, criando condições favoráveis ao seu desdobramento onde fosse mais débil o elo da cadeia imperialista. Foi Lênin, em 1915, quem chegou a essa genial conclusão de enorme significação para o movimento operário internacional. Trotsky sustentava ponto de vista contrário.

“Sem um apoio estatal direto do proletariado europeu (o grifo é nosso), a classe operária da Rússia não poderá manter-se no poder e transformar sua dominação temporária numa ditadura socialista duradoura. Disto não se pode duvidar um só instante” (Leon Trotsky, Nossa Revolução, 1906). Mesmo depois da vitória da Revolução de Outubro na Rússia, ele escrevia:

“Enquanto nos demais Estados europeus se mantenha no poder a burguesia, nos veremos obrigados, na luta contra o isolamento econômico, a buscar acordos com o mundo capitalista; ao mesmo tempo pode-se afirmar com toda certeza que esses acordos podem, no melhor dos casos, ajudar-nos a cicatrizar uma ou outra ferida econômica, a dar um ou outro passo adiante, porém, o verdadeiro auge da economia socialista na Rússia não será possível senão depois da vitória do proletariado nos países mais importantes da Europa” (“Epílogo da nova edição do folheto O Programa da Paz”, Leon Trotsky, 1922).

 

Semeava desta forma o pessimismo, a falta de fé na obra da revolução que, afinal, sem o apoio estatal do proletariado europeu e sem o concurso do mundo capitalista, foi capaz de desenvolver largamente a economia socialista, criar uma nova vida, e alcançar na guerra contra o hitlerismo o triunfo mundial dos povos sobre o fascismo.

 

A tese trotskista da revolução permanente desconhecia o papel do campesinato como força aliada do proletariado para construir o socialismo. Julgava que a revolução

 

“entraria em choques hostis, não só com todos os grupos burgueses que apoiaram o proletariado nos primeiros momentos de sua luta revolucionária, mas também com as vastas massas camponesas com a ajuda das quais chegou ao poder. As contradições na situação do governo operário num país atrasado, no qual a maioria esmagadora da população é composta de camponeses, só poderão ser solucionadas no plano internacional, no terreno da revolução mundial do proletariado (os grifos são nossos)

(Prefácio do livro 1905, Leon Trotsky, escrito em 1922).

Trotsky não compreendia a ditadura do proletariado como

“uma forma especial de aliança de classe entre o proletariado, vanguarda dos trabalhadores, e as numerosas camadas de trabalhadores não-proletários, aliança dirigida contra o capital, cujo objetivo é a derrubada completa do capital, o esmagamento completo da resistência da burguesia e de suas tentativas de restauração, aliança que objetiva a instauração e a consolidação definitiva do socialismo” (V. I. Lênin, Obras Completas).

 

Tomada em seu aspecto mais geral, a questão camponesa inclui a união com o conjunto do campesinato numa primeira etapa da revolução (na Rússia como no Brasil), e a liquidação dos kulaks (camponeses ricos) na segunda etapa. O socialismo se constrói, como demonstra a experiência histórica, em aliança com as massas camponesas pobres que se convertem, após a coletivização da agricultura, num sólido ponto de apoio à construção da economia socialista.

 

Mas não apenas na subestimação do campo Trotsky comete erros. O mesmo raciocínio mecânico desenvolve em relação ao problema da libertação nacional dos povos oprimidos. Propagou a opinião de que estes somente poderiam libertar-se completamente com a vitória da revolução nas metrópoles imperialistas às quais estivessem subordinadas. Diz ele:

 

“Se se examinam a Grã-Bretanha e a Índia como duas variedades extremas do tipo capitalista, chega-se à conclusão de que o internacionalismo dos proletários ingleses e hindus baseia-se sobre a interdependência das condições, dos fins e dos métodos, e não sobre a sua identidade. Os sucessos do movimento de libertação da Índia impulsionam o movimento revolucionário na Inglaterra, e vice-versa. Uma sociedade socialista autônoma não pode ser construída nem na Índia nem na Inglaterra. Os dois países deverão fazer parte duma unidade mais elevada. É nisto, e somente nisto, que reside a base inquebrantável do internacionalismo marxista”. (Leon Trotsky, in A Revolução Permanente).

 

Essa “unidade mais elevada” traz implícita a idéia de que a revolução nos países coloniais ou semicoloniais é inseparável da vitória do movimento revolucionário nas metrópoles. Ou seja, o proletariado dos países oprimidos somente poderá alcançar sua verdadeira emancipação quando a revolução for também possível no país opressor, o que é um absurdo completo.

 

Sua concepção da luta revolucionária com relação aos países atrasados leva ao comprometimento destes com o capital financeiro internacional. Analisando o Plano de Seis Anos do governo de Cárdenas, no México, Trotsky proclamava a necessidade de que se abrissem as portas ao capital imperialista:

 

“Os autores do programa – dizia Trotsky – querem construir completamente o capitalismo de Estado, num período de seis anos. Mas uma coisa é nacionalizar as empresas existentes e, outra, criar novas empresas com meios limitados e num terreno virgem. A história conheceu um exemplo de indústria criada sob a supervisão do Estado: a URSS. Mas foi preciso uma revolução socialista. (…) No México não temos uma revolução socialista, o país é pobre. Nestas circunstâncias, seria quase um suicídio fechar as portas ao capital estrangeiro. Para construir o capitalismo de Estado, é preciso o capital” (Leon Trotsky, Análise do Plano de Seis Anos, 1939).

 

Quer dizer, como não havia uma revolução socialista no México, o jeito era construir o capitalismo de Estado com recursos do capital alienígena que, afinal, acabou submetendo o México, vizinho dos Estados Unidos, aos banqueiros norte-americanos.

 

Óbvio que a “teoria” da revolução permanente de Trotsky conduz, na realidade, à não-revolução em geral. Mesmo onde a revolução viesse a ocorrer, tenderia ao fracasso. Os explorados e oprimidos teriam de marcar passo à espera da revolução no mundo inteiro, pois só assim poderiam construir com êxito o socialismo. Tal a contextura teórica do trotskismo, uma simples amostra da fragilidade das idéias em que se apóia. No terreno teórico, Trotsky foi um fracasso total. E o pior: seu pensamento é mistificador, anti-revolucionário.


CONCEPÇÃO ESPONTANEÍSTA DE PARTIDO

Leon Trotsky jamais compreendeu a importância do partido do proletariado armado de uma teoria de vanguarda como o instrumento fundamental da revolução. Subestimou o fator consciente na dinâmica revolucionária. Polemizando com Lênin, afirmou:

 

“Ele (Lênin) ignora deliberadamente o fato de nós termos necessidade imperativa, não de raízes 'filosóficas' (que besteira, como se a invocação de não importa que seita não tivesse, de um ponto de vista 'filosófico', tais ou quais raízes profundas!), mas de raízes políticas reais, de um contato vivo com as massas, que nos permita a cada momento decisivo mobilizar essa massa em torno duma bandeira por ela reconhecida como sua” (Leon Trotsky in Nossas Tarefas Políticas).

 

Que besteira! exclama ele, aludindo a uma questão primordial, qual seja o papel do elemento consciente. No texto citado, este elemento ocupa o segundo plano, não tem maior significado. Tal idéia, aliás, vem sendo repetida no Brasil por dirigentes do Partido dos Trabalhadores, o PT (aqui, sim, se poderia dizer: que besteira!). A ideologia (as raízes filosóficas) não é devidamente considerada. O principal seria a ligação com as massas, empunhar as bandeiras por elas aceitas (note-se que, sem consciência socialista, as bandeiras reconhecidas pelas massas nunca chegarão a ser as da revolução proletária, mas as do reformismo, do economismo). Já no início do século, Lênin advertia que “sem teoria revolucionária não existe movimento revolucionário”. As raízes filosóficas não são tolices, ranço desprezível, mas o substrato mesmo da luta libertadora. Tais raízes não emanam do movimento espontâneo, advêm da ciência. Daí por que a característica essencial de um partido revolucionário não é propriamente a sua ligação com as massas, ainda que essa ligação seja indispensável, mas o conteúdo filosófico da doutrina que sustenta, no caso, o marxismo-leninismo. Qualquer partido populista será capaz de manter extensos vínculos com as massas e nem por isso pode ser considerado instrumento da revolução social.

 

Desdenhando a teoria na formação e no desenvolvimento do partido, Trotsky perde de vista a importância do fator subjetivo no processo revolucionário. Não é acidental que os trotskistas vejam em cada movimento mais combativo das massas, ou nas crises políticas, o imediato e automático surgimento da revolução. Para eles, a greve geral (que greve? em que circunstância?) põe em pauta a derrocada do poder político… a guerra por si mesma traz espontaneamente a revolução… O trotskismo toma de maneira esquemática um único aspecto da situação sem levar em conta o problema fundamental da direção consciente, o nível em que esta se encontra e o papel que desempenha no quadro político.

 

As concepções de Trotsky sobre o partido são liberais, social-democratas. Lênin enfatizou que o partido do proletariado, para cumprir sua missão, tem de ser monolítico, disciplinado, vanguarda organizada da classe operária. A experiência da Revolução Russa e da de outros países mostrou toda a justeza da teoria leninista de partido que é, por sua própria natureza, contrário à existência em seu seio de grupos e frações. Trotsky, desde o início de sua atividade, sempre atuou contrariando o princípio da unidade partidária. Ele mesmo confessa em A Revolução Permanente que sua posição no interior do partido tinha sido conciliadora. Admitia, entretanto, que isso fosse apenas um equívoco no terreno organizacional, quando na verdade era a linha da unidade sem princípios. Aliou-se todo o tempo com os mencheviques russos, com os liberais e os liquidacionistas, com os chamados otsovistas (oportunistas de esquerda) para lutar contra o Partido dos bolchevistas. No início da segunda década deste século, Lênin assim se manifestou sobre o papel de Trotsky :

 

“É claro que Trotsky e seus iguais, os trotskistas e conciliadores; são mais nocivos que qualquer liquidacionista, pois os liquidacionistas declarados expõem abertamente suas concepções sendo fácil aos operários constatar o seu caráter errôneo, enquanto os senhores Trotsky e companhia enganam os operários, encobrem o mal e tornam impossível desmascará-lo e remediá-lo. Quem quer que apóie o grupelho de Trotsky sustenta uma política de mentira e de engodo dos operários, uma política de proteção da corrente liquidacionista” (V. I. Lênin, setembro de 1911).

 

Trotsky foi ferrenho adversário do autêntico partido proletário, da organização de vanguarda, marxista-leninista, um defensor do pluralismo ideológico no seio do partido. Nunca se integrou plenamente em suas fileiras. Somente em agosto de 1917, no VI Congresso dos bolcheviques, retornou ao Partido, dois meses antes da Revolução de Outubro. Então fazia parte de um grupo que incluía trotskistas, mencheviques e alguns bolcheviques transviados. No Partido, voltou à sua antiga prática fracionista.

TROTSKY NUNCA FOI LENINISTA

Os adeptos do trotskismo tentam cinicamente apresentar Leon Trotsky como companheiro de Lênin, como leninista; suas discordâncias teriam sido unicamente com Stalin. Não têm pudor de falar em Partido de Lênin e Trotsky, de se dizerem propagadores e continuadores do bolchevismo. Procedem desse modo para confundir os operários e as massas populares que admiram Lênin, para esconder sua real catadura contra-revolucionária.

 

O trotskismo sempre foi uma corrente hostil ao bolchevismo. Trotsky não só se manteve em constante oposição a Lênin como o atacou inúmeras vezes. Numa carta dirigida a Chjeidze, em 1913, logo depois da Conferência de Praga que reestruturou o Partido duramente golpeado pelos liquidacionistas, ele escrevia:

 

“Todo o edifício do leninismo baseia-se hoje em dia na mentira e na falsificação e leva em si o princípio venenoso de sua própria decomposição”.

 

Assim Trotsky considerava todo o imenso cabedal teórico da obra gigantesca do continuador de Marx e Engels. Em decomposição, na verdade, estava o trotskismo, esse fruto podre do movimento operário.

 

V. I. Lênin, em diversas oportunidades, traçou o perfil político-ideológico de Leon Trotsky, velho conciliador, falso materialista dialético.

 

“Em 1903 – escreveu Lênin sobre Trotsky – foi menchevique; abandonou o menchevismo em 1904; voltou ao menchevismo em 1905, fazendo alarde de uma fraseologia ultra-revolucionária; em 1906 se separou de novo; em fins de 1906 defendeu os acordos eleitorais com os kadetes (isto é, esteve outra vez com os mencheviques); na primavera de 1907 disse que divergia de Rosa Luxemburgo em matizes individuais. Trotsky plagia hoje a bagagem ideológica de uma fração, amanhã de outra e, como consequência, se proclama situado por cima de ambas as frações. Em teoria, Trotsky não está de acordo em nenhum ponto com os liquidacionistas e os otsovistas, mas na prática está totalmente com os Golos (liquidacionistas) e os de Vperiod (otsovistas) (V. I. Lênin, Obras Completas, vol. XVI, p. 392).

E, em dezembro de 1911, Lênin assinalava:

“Com Trotsky não se pode discutir a fundo, porque não tem opinião alguma. Pode-se e deve-se discutir com os liquidacionistas e os otsovistas convictos, porém, com um homem cujo jogo é encobrir os erros de ambas as tendências não se discute: se desmascara como… a um diplomata do mais baixo jaez” (A Diplomacia de Trotsky e Certa Plataforma, V. I. Lênin). Não somente antes, mas após a Revolução de Outubro, Trotsky hostilizou o leninismo. Na questão crucial da paz de Brest-Litovski, defendida energicamente por Lênin, e da qual dependia a própria sorte da revolução, Trotsky fez todos os esforços para derrotar a proposta do chefe do bolchevismo. Chegou a renunciar ao posto de Comissário do Povo para os Negócios Exteriores a fim de pressionar outros camaradas a votarem contra Lênin. Negou-se peremptoriamente a participar da delegação de paz. Mais tarde, em momento difícil da revolução, forçou um debate geral sobre os sindicatos. Intentava, nessa ocasião, 1920, implantar nas entidades de massas normas rígidas de direção. Não percebia que, terminada a guerra, entrava-se num período de construção pacífica da economia. Os métodos militares e a política do comunismo de guerra estavam ultrapassados. Ele exigia que se “sacudissem” os sindicatos e os estatizassem sem ver que os sindicatos, como indicava Lênin, são organizações autônomas das massas, correias de transmissão entre a ditadura do proletariado e os trabalhadores. Para dirigir corretamente tais organizações, nessa nova fase, impunha-se a adoção de outros métodos – os da persuasão, em primeiro lugar, e não os da coerção, como queria Trotsky. Este transplantava para as entidades sindicais os métodos próprios das organizações militares. Nessa ocasião, Lênin afirmou:

 

“Quando comparo o folheto de Trotsky com as teses que ele apresentou ao Comitê Central e o reviso cuidadosamente, assombra-me a quantidade de erros teóricos e de evidentes inexatidões que contém”.

E mais adiante:

“Trotsky incorreu numa série de erros relacionados com a essência da ditadura do proletariado” (V. I. Lênin, Os Sindicatos, a Situação Atual e os Erros do Camarada Trotsky).

 

Enfim, o trotskismo não é nem nunca foi leninista, mas uma corrente pequeno-burguesa, incapaz de entender o marxismo e a dialética marxista, oscilando ora para a direita, ora para a esquerda, mas principalmente para o ultra-esquerdismo. Com o passar do tempo, e ante os repetidos fracassos que sofria, Trotsky evoluiu no sentido de posições abertamente contra-revolucionárias, transformou-se num instrumento da burguesia destinado a desviar as massas da verdadeira luta emancipadora, da sua integração no partido. Esforçou-se por fazer malograr a construção do social ismo na URSS.


AS TÁTICAS DO TROTSKISMO

Os métodos de atuação e os procedimentos táticos do trotskismo refletem o caráter da sua orientação e linha de conduta anti-revolucionária.

 

A tática preferida tem como elemento constante a utilização da fraseologia ultra-esquerdista com a qual procura explorar o sentimento de revolta das massas, buscando atraí-las e instigá-las a posições extremadas que não levam em conta a situação real, os compromissos obrigatórios, a aliança com certas forças não-proletárias. É uma tática de isolamento da classe operária que, se adotada, conduziria o movimento revolucionário ao total insucesso.


O centro do ataque dos trotskistas orienta-se contra o partido do proletariado, marxista-leninista. Tudo que possa servir para enfraquecê-lo ou desacreditá-lo é por eles usado sem nenhum escrúpulo. Sabem que o partido marxista-leninista é a força impulsionadora, organizadora e conscientizadora das massas visando à revolução. Tratam por isso de difamar, deturpar a atividade dos autênticos comunistas, incompatibilizá-los com os trabalhadores por meio da mentira. Intencionalmente, confundem os marxistas-leninistas com os revisionistas, traidores da causa operária. Espalham boatos, atribuem ao partido propósitos inconfessáveis eivados de falsidade. Nesse particular, seus ataques coincidem com os da burguesia e do seu aparelho de repressão. Têm o mesmo conteúdo. Em toda parte, desde a década de 1920, pregam a construção do “verdadeiro partido” em oposição aos partidos marxistas-leninistas existentes no mundo, que seriam aparelhos burocráticos. Nunca construíram nada. O que fizeram e fazem é intrometer-se em partidos falsamente operários para tentar afastar os proletários da sua autêntica vanguarda de classe.

 

A arremetida furiosa contra Stalin e o stalinismo é um dos principais chavões da tática dos trotskistas. São ridículos e, ao mesmo tempo, cínicos nessa investida. Fazem coro com a campanha desencadeada pelo imperialismo e por todas as forças reacionárias objetivando a denegrir a figura e a obra do grande revolucionário proletário que foi J. V. Stalin, continuador de Lênin, construtor do socialismo na URSS à frente do povo soviético. A essa infame campanha juntaram-se Kruschev e seus seguidores, renegados da revolução e da causa suprema da classe operária. O stalinismo, se se pode empregar este termo, outra coisa não é senão a aplicação e o desenvolvimento da teoria marxista, a sistematização da rica experiência da edificação da nova sociedade na antiga Rússia. Atacando o stalinismo, por eles deturpado e apresentado como burocracia e reformismo, o que os trotskistas visam é a desorientar os trabalhadores, procurar distanciá-los dos verdadeiros revolucionários, os marxistas-leninistas, dificultar o trabalho de frente-única nas organizações de massas.


Os trotskistas adotam como método de atuação o entrismo, recomendado nos anos 1930 por Trotsky aos seus correligionários. Entrismo que significa introduzir-se sorrateiramente em partidos e organizações de esquerda com o fito de aí realizar o seu trabalho sectário, divisionista, contra-revolucionário. Isolados das massas, desmoralizados, sem condições de aparecer com a própria fisionomia diante dos trabalhadores, recorrem ao bifrontismo como meio de camuflar sua ações escusas e fazer proselitismo. A par do entrismo, organizam distintos grupos com posições aparentemente diferenciadas. Esse comportamento contraditório explica-se pela incoerência da sua “doutrina”. Usam esses grupos portadores de opiniões diferentes para, como diz o velho ditado, vender gato por lebre. E ter sempre argumentos de reserva a fim de justificar sua traição aos interesses fundamentais do proletariado.

A IV INTERNACIONAL

Rejeitado pelo povo soviético, Trotsky iniciou no exterior sua atividade tendenciosa. Em contraposição à III Internacional leninista, fundou um arremedo de organização mundial por ele denominada de IV Internacional que no período da Segunda Grande Guerra se dispersou por falta de apoio. Os trotskistas tentaram reconstruí-la em 1943. No começo da década de 1950, sumiu novamente. Voltaram à liça em 1963, sem resultados positivos. Reuniram-se novamente em 1982, e a crise continua.

A atividade geral dos trotskistas, bastante escassa, reanimou-se após as infâmias de Kruschev acerca da atuação de Stalin. Ao difundir calúnias e inverdades sobre a construção do socialismo na URSS, os renegados revisionistas prestaram relevantes serviços à burguesia e ao imperialismo. Na onda que levantaram contra o comunismo, ergueram-se também os trotskistas. A expansão do revisionismo, atingindo os partidos comunistas que se converteram em organizações social-democratas, abriu igualmente caminho aos trotskistas. Conseguiram assim avançar um pouco mais em alguns países, notadamente na França, nos Estados Unidos, na Argentina.

Atualmente, estão divididos em duas alas internacionais, ambas reivindicando a paternidade da IV Internacional. Uma, intitula-se Centro Internacional de Reconstrução; a outra, Liga Internacional dos Trabalhadores. A primeira edita o jornal Tribuna Internacional, a segunda, o Correio Internacional. As duas baseiam-se no “Programa de Transição” escrito por Trotsky em 1938. Estas alas subdividem-se em vários grupelhos em distintos países. Mas todos defendem linha idêntica, diferente apenas em nuances, linha anti-revolucionária, antiunitária, de ataque aos movimentos marxistas-leninistas. Não obstante, a luta entre elas toma em determinados momentos formas agudas. Em seu número de março/abril de 1983, o Correio investe contra o SU (Secretariado Unificado) que teria utilizado um “entrismo sui generis”, votando resolução favorável ao ingresso dos trotskistas (disfarçadamente) nos partidos comunistas (revisionistas) e chamando Fidel Castro de “revolucionário formidável”. Por sua vez, a Tribuna (outubro/1982) agride o Partido trotskista dos Estados Unidos, o SWP, que se teria afastado das linhas mestras do trotskismo, inclinando-se para o apoio a Fidel e fazendo o elogio da direção vietnamita. A contenda chega às vezes a lances vergonhosos revelando a tratantada que se passa nos bastidores trotskistas. Lambert e Villaran, figuras de proa do trotskismo, acusam Ricardo Napuri, senador peruano de tendência trotskista, “de ter roubado dinheiro do partido…”

O principal dirigente da Liga Internacional, Nahuel Moreno, afirma sem rodeios, referindo-se à luta do Solidarnosc, na Polônia, que:

“os trotskistas não deviam ter medo de fazer o jogo do imperialismo, deviam lutar pela ditadura revolucionária do proletariado, dirigida por Walesa, sem temer que essa ditadura fosse de fato a representação direta de Reagan, do Papa, de Mitterrand no seio do Estado Operário” (In Tribuna Internacional (set/1982) sobre a Conferência Mundial Aberta).

 

Verdade é que, na prática, o trotskismo sempre fez o jogo do imperialismo e da reação, continuamente se opôs aos interesses da classe operária e do povo.

As duas alas da pretensa IV Internacional tratam o Estado Cubano de Estado Operário:

“Não por acaso – escreve The Militant, semanário do SWP trotskista dos Estados Unidos – o Estado Operário mais democrático do mundo é também o país em que os operários e os camponeses desenvolvem o mais firme e mais profundo internacionalismo revolucionário. Este internacionalismo fez de Cuba uma inquebrantável defensora da URSS contra o imperialismo” (o grifo é nosso).

 

Aqui, junto com o apoio aberto à União Soviética revisionista, social-imperialista, aparece uma estranha caracterização do Estado. Certamente, Cuba fez uma revolução democrática e antiimperialista. Mas a não ser em palavras, nos discursos bombásticos de Castro, não alcançou a etapa socialista. Presentemente, é um país dependente da URSS. Quem dirige o Estado cubano não é a classe operária, mas a pequena-burguesia.

 

Também no que se refere à Nicarágua, onde foi iniciada uma revolução nacional e democrática que enfrenta sérias dificuldades, os trotskistas asseveram que ali começou a ditadura do proletariado:

 

“A constituição de milícias e de comitês pela classe operária e o campesinato, e o combate militar dirigido pela FSLN, que tinha como eixo acabar com a ditadura somozista tiveram como resultado a abertura da revolução proletária. Havíamos assinalado na época que esta revolução proletária começando na Nicarágua, desmantelando o Estado burguês, havia abalado o conjunto dos países da região” (In Tribuna Internacional (set/1982), “A Conferência Mundial Aberta Trotskista”).

 

Como se vê, na Nicarágua, onde a classe operária não conseguiu até agora a hegemonia no processo revolucionário complexo que ali se desenrola, já se deu, segundo os trotskistas, a abertura da revolução proletária, socialista! Repete-se, tanto no caso cubano como no nicaraguense, o erro de Trotsky de confundir as etapas da revolução, de suprimi-las arbitrariamente. Em última instância, é o esforço por contrapor-se à verdadeira marcha revolucionária que exige para o seu êxito clareza na definição das etapas inevitáveis.

Com relação à União Soviética, inteiramente falsa é a caracterização que fazem do atual sistema social vigente nesse país. Dizem eles:

“São idênticas as relações de produção na União Soviética de 1917 e de 1982, só as formas políticas são diferentes (…) No plano das relações de produção devemos considerar que não há mudança qualitativa” (In Tribuna Internacional (set/1982), Resolução da IV Internacional).

Insistem ser indispensável “identificar, sob o ângulo das relações de produção, a URSS de 1917 à URSS de 1982” (Fonte citada).

Erro evidente. Começa que as relações de produção na URSS de 1917 só parcialmente eram socialistas, isto é, no setor das empresas nacionalizadas. No campo e em outros setores, as relações de produção não tinham ainda cunho socialista. Nessa época, na opinião de Lênin, havia cinco diferentes tipos de economia na Rússia: a patriarcal, a pequena produção mercantil, o capitalismo privado, o capitalismo de Estado e a formação socialista. De qualquer modo, é mecânica e destituída de fundamento a separação que os trotskistas fazem entre relações de produção e formas políticas. As relações de produção dependem do sistema de propriedade. Se a propriedade é socialista também o é o regime político. (Pode haver, no período inicial do poder proletário, diversos tipos de relações de produção, como de 1917 até 1921 ou um pouco mais, na Rússia, mas tendem a desaparecer porque a propriedade vai-se transformando em bem geral da coletividade.) Ao contrário, se o regime político deixa de ser socialista, igualmente a forma de propriedade se modifica, já não será mais socialista. Ora, na União Soviética, desde que os revisionistas se apoderaram da direção do Partido e do Estado, deixou de existir o socialismo; eles mudaram não apenas as formas políticas, mas a natureza mesma do Estado que, de ditadura do proletariado, passou a ser, conforme decisão tomada no Congresso do partido revisionista, um pretenso Estado de todo o povo. Sem ditadura do proletariado não há socialismo, mas uma forma disfarçada de dominação da burocracia erigida em classe burguesa dominante. Com as modificações operadas no regime político soviético, o sistema econômico converteu-se em capitalismo de Estado, mudando na essência as relações de produção. É bastante observar o que ocorre no setor de distribuição, parte integrante do conceito de relações de produção. Atualmente, como se dá na URSS a distribuição daquilo que foi produzido? Uma pequena parcela da população, ligada ao poder político, usufrui proventos e vantagens que lhe asseguram um modo de vida burguês, enquanto a maioria dos trabalhadores ganha salários insuficientes. Os recursos que beneficiam a diminuta camada privilegiada, burguesa, são retirados daquela parte que, na distribuição, deveria acelerar o crescimento da produção e a elevação do nível do bem-estar material e cultural do povo trabalhador. É um embuste dizer que na União Soviética dos nossos dias as relações de produção são socialistas, e as formas políticas não.

Trotsky já havia assinalado falsamente que:

“Para nós, o critério político essencial não é a transformação das relações de propriedade nesta ou naquela região, mas a mudança a ser operada na consciência e na organização do proletariado mundial, a sua capacidade de defender suas conquistas anteriores e realizar outras (…) O conteúdo fundamental da ditadura do proletariado, a expropriação, é válido sempre”.

Indubitavelmente, o conteúdo fundamental da ditadura do proletariado não é a expropriação por si mesma, o que também se faz em certos casos numa revolução democrática, mas a dominação de classe do proletariado, sua luta para construir a nova sociedade. A principal conquista é o Estado de ditadura do proletariado, a liquidação de todas as formas de domínio burguês e o surgimento de novas relações de propriedade que devem ser aprofundadas e consolidadas. A União Soviética de hoje não é socialista, nem no aspecto político, nem no das relações de produção, apesar de manter a antiga expropriação, que agora serve a outros fins.

 

Convém destacar a desfaçatez dos trotskistas que, no período anterior a Kruschev, não faziam outra coisa senão agredir a União Soviética e o seu regime socialista, e depois que o revisionismo ali se implantou, passaram a elogiá-la, a considerar não ter havido mudanças significativas no campo das relações de propriedade.

 

Esforçando-se por criar um centro internacional de coordenação dos diversos grupos em que se dividem e subdividem, os trotskistas apregoam a tese de que “o internacionalismo proletário é abstrato quando não está ligado a uma Internacional”. Evidentemente, o internacionalismo militante, ativo, não se relaciona, invariavelmente, com a fundação de um centro mundial, o que depende de certas condições históricas. De 1873 a 1889 não existia nenhuma internacional e nem por isso desapareceu o internacionalismo. Tampouco de 1917 a 1919. Mas todos reconhecem que, neste período, realizaram-se vigorosas manifestações internacionalistas proletárias cerrando fileiras em torno do novo poder surgido na Rússia. E depois da extinção da III Internacional, em 1943, o internacionalismo não se evaporou, nem perdeu a força. Expressou-se decididamente no apoio à União Soviética em guerra contra a Alemanha hitlerista, na condenação à agressão norte-americana à Coréia, na ajuda generalizada à luta dos povos do mundo inteiro. O que realmente o define é a conduta revolucionária dos proletários frente aos combates de classe em sua própria pátria que contribuam para abalar e liquidar o sistema capitalista mundial, é a defesa das nações socialistas, bem como a sustentação consequente dos movimentos emancipadores que têm lugar nos diferentes países. O apelo de Marx e Engels – “Proletários de todos os países, uni-vos”! – não se traduz automática e esquematicamente pela criação de internacionais. (Os fundadores do marxismo participaram da dissolução da I Internacional). O exato sentido desse chamamento histórico é o de que os proletários devem unir-se na luta revolucionária para derrubar o capitalismo e construir em todo o Globo a nova vida socialista, comunista. O argumento perrengue dos trotskistas, nesta questão, destina-se unicamente a justificar a recomposição, sempre falida, da IV Internacional desagregadora, anticomunista.

O TROTSKISMO NO BRASIL

Também no Brasil atuam os trotskistas. No passado, formavam um grupelho inexpressivo que se limitava, como os seus parceiros de outras regiões, ao ataque permanente à URSS socialista e ao partido da classe operária. Faziam provocações, tentavam organizar frações no seio do Partido Comunista do Brasil, sem êxito.

 

Na atualidade, são mais numerosos. Durante o período da ditadura militar, quando a repressão se tornava violenta contra os autênticos revolucionários, contra os democratas consequentes e até mesmo contra os reformistas, eles começaram a ganhar terreno. Exceto elementos isolados, não eram tão perseguidos. Hoje constituem grupos que ostentam as mais variadas denominações: “Convergência Socialista”, “Libelu”, “Alicerce”, “Centelha”, “Travessia”, “Peleia” etc. Uns são filiados à ala da IV Internacional que edita a Tribuna Internacional, outros à do Correio Internacional. Publicam alguns periódicos: Em Tempo, Alicerce, O Trabalho, entre outros.

 

Por certo tempo sua atividade foi panfletária, sem maior significação. No momento da reorganização dos partidos políticos, os trotskistas de diferentes tendências, sem exceção, integraram-se maciçamente no Partido dos Trabalhadores, presidido por Luís Inácio da Silva. Cobrindo-se com a bandeira do PT, trataram de ligar-se às massas, em especial à pequena-burguesia. Com o tempo, e astúcia, foram-se assenhoreando de posições importantes nesse partido que surgira de lideranças sindicais envolvidas nas lutas grevistas de 1978-80, sem experiência política. Muitas teses errôneas defendidas por dirigentes do PT são de origem trotskista. E não apenas conceitos políticos ou filosóficos, mas também métodos de atuação sectários, exclusivistas e até provocadores.

 

Ao introduzir-se no PT, o seu objetivo é buscar um ponto de apoio à sua atividade perniciosa no movimento democrático e no seio da classe operária e do povo. A finalidade que perseguem pode ser resumida da seguinte maneira: impedir ou dificultar a unidade da classe operária e das forças populares; apoderar-se, com a capa de petista, das organizações de massas que, em seguida, se transformam em entidades de uma determinada tendência política, perdendo seu caráter massivo, sendo levadas a posições estreitas e antiunitárias; bloquear a união das correntes democráticas e patrióticas; e, principalmente, tentar marginalizar o partido marxista-leninista, o PC do Brasil, arma afiada da luta pelo socialismo. Isoladamente, os trotskistas representam pouca coisa, sua desmoralização é grande. Mas acobertados com o manto do PT conseguem penetrar entre as massas usando linguagem ultra-radical como meio de atrair os trabalhadores. Seu radicalismo nada tem de revolucionário; no fundo, são reformistas, economicistas. No que respeita à política, circunscrevem-se a palavras-de-ordem gerais, abstratas, sem relação com o curso real da situação.

 

São useiros em lançar campanhas e jornadas irrealistas, estreitas, que se esvaziam num palavreado oco e terminam em acusações aos que não lhes seguem as pegadas. As organizações que caem sob a sua influência imobilizam-se, tornam-se arena de disputas intestinas entre grupos trotskistas. Falam muito em organização independente da classe operária no terreno sindical. Mas a orientação que preconizam é a da divisão, da fundação de múltiplas centrais sindicais que servem para isolar os trabalhadores em agrupamentos ligados a correntes políticas diversas. Por sinal, tal orientação coincide com as do imperialismo, do Vaticano e da socialdemocracia. O proletariado precisa de liberdade sindical, da independência de seus sindicatos frente ao Estado e aos patrões. Mas ao lutar pela liberdade e autonomia sindical, em defesa dos seus interesses vitais, os trabalhadores almejam a unidade da classe, opõem-se ao fracionamento, à divisão de suas fileiras o que favorece unicamente ao capital, à exploração burguesa.

 

Entre a juventude, os trotskistas promovem atividades dissolventes, desagregadoras, desmoralizantes. Tratam de explorar o sentimento de renovação e rebeldia sempre presente nos jovens, ansiosos de liquidar os tabus, os preconceitos, os empecilhos levantados pelo mundo burguês ao progresso social e cultural. Introduzem idéias malsãs, propagam, como se fossem progressistas, deformações e vícios da sociedade capitalista em decomposição.

 

Minoria insignificante nos movimentos de massa, procura impor opiniões e projetos recorrendo a métodos fascistas. Por meio do tumulto, da balbúrdia, das vaias dirigidas criam um ambiente de confusão nos atos massivos, buscando impedir dessa forma o pronunciamento e a argumentação dos que não comungam de seus pontos de vista. Com isso comprometem a própria imagem do Partido dos Trabalhadores que aparece como organização adversa à democracia.


TENTATIVA DE TRANSFORMAÇÃO DO PT EM ORGANIZAÇÃO TROTSKISTA

O Partido dos Trabalhadores é uma organização ainda indefinida sob o aspecto político-ideológico. Tende para a social-democracia, embora criticando certas posições dessa corrente. Nega ser um partido burguês, mas não se pode caracterizar como partido operário. Ideologicamente situa-se no campo da pequena-burguesia e, no quadro político, aspira a se tornar trade-unionista.

 

Desse modo, é terreno propício à atividade em suas fileiras de variadas correntes, sobretudo das que se opõem ao socialismo científico. Aí atuam setores anticomunistas da Igreja, alguns renegados do verdadeiro partido da classe operária, os trotskistas de diferentes matizes e, sem dúvida, também os carreiristas políticos.

 

Mas no PT há setores sadios, sindicalistas sinceros, democratas conseqüentes, trabalhadores combativos. Formam, aliás, a parte principal dos que fundaram e sustentam o Partido dos Trabalhadores.

 

Penetrando nesse Partido, os trotskistas tinham em vista preparar as condições para mudar o caráter da organização e dela se apossar. Seus intentos dentro do PT nunca foram honestos. Em 1982, declararam abertamente que seu objetivo atuando nas hostes petistas era transformá-las num partido trotskista, ligado à IV Internacional.

 

“Aos trotskistas, que batalham no interior do PT, como fração consciente, cabe trabalhar lealmente(!) procurando vincular o PT ao combate pela Internacional Operária, que para nós, trotskistas, não é outra coisa senão a IV Internacional” (o grifo é nosso) (“Resolução do VI Congresso da Organização Socialista Internacionalista”, trotskista).

 

As publicações trotskistas em diversos países apresentam-no como se fora um partido na senda do trotskismo.

 

Ao mesmo tempo que buscam dominar o Partido dos Trabalhadores, abrem luta com o que chamam de sua “ala direita”, ou seja, os que não rezam pela cartilha dos partidários de Trotsky.

 

“O comportamento dos trotskistas deve ser claro: combater decididamente a ala direita (…) representada por uma parte da cúpula do partido” (“Resolução do VI Congresso da OSI”, trotskista).

 

Airton Soares, um dos fundadores do PT e líder da bancada petista na Câmara Federal, é considerado pelos trotskistas como “o porta-voz da ala direita (…) que assumiu nitidamente uma posição de porta-voz da burguesia no interior do partido” (“Resolução da OSI”, já citada). Os trotsquistas tomam resoluções sobre os movimentos sindical, do funcionalismo público, dos estudantes etc. para serem aplicadas pelo PT. Ditam, na prática, a orientação e a linha de conduta desse partido em tais movimentos. Eles se opõem acintosamente à unidade dos estudantes dentro de suas organizações tradicionais, a UNE e a UBES. Querem transformá-las em instrumento de sua manipulação sectária. Numa resolução da OSI, de maio de 1983, se lê:

 

“Para desenvolver esta batalha (varrer a direção unitária da UNE), os trotskistas se lançam na organização dos estudantes do PT, impulsionando a construção de núcleos, a realização de encontros por universidade, cidade, estado e nacional” (…) “Constatam que é em torno do PT que se agrupa o núcleo da oposição à direção da UNE”.

 

Salta à vista que os trotskistas utilizam o PT como simples instrumento da sua política. E quanto à UBES, proclamam que o centro de preocupação dos partidários de Trotsky é:

 

“a intervenção no interior do PT, no sentido de que os secundaristas do partido se engajem na construção da Oposição (…) Para nós, trata-se de ter como eixo de intervenção, no interior do PT, a construção de núcleos por escolas (…) O engajamento dos petistas na luta contra a diretoria (da UBES) é fundamental na constituição da Oposição”.

 

De fato, nos Congressos e Encontros estudantis, os trotskistas aparecem arrebanhando os petistas. São repetidamente derrotados pela união crescente dos estudantes de todo o país que lutam pela liberdade, pela unidade, em defesa das justas reivindicações dos universitários e dos secundaristas, contra o regime militar que oprime o Brasil há vinte anos.

 

No que se refere à atividade internacional, o Congresso da OSI (maio/1983) traça a linha a ser seguida pelo PT.

 

“No interior do PT – diz a resolução aprovada pelos trotskistas – as atividades de defesa da Revolução Política na Polônia adquirem importância na luta pela afirmação do PT como partido operário independente contra o stalinismo. Isso significa que o PT deve prolongar a sua solidariedade aos trabalhadores poloneses, ligando-se ao movimento internacional de solidariedade que se desenvolve”.

Igualmente, a respeito da ação sindical e da CUT os trotskistas falam pelo Partido dos Trabalhadores.

Alguns êxitos alcançados pelo PT são atribuídos única e exclusivamente aos trotskistas em suas publicações. “O decisivo no CONCLAT – escrevem eles – foi a bancada de 200 trotskistas (…) A campanha pela libertação dos líderes sindicais respondendo a processos na Justiça Militar, também foi obra dos trotskistas (…) A CUT seria o resultado do trabalho dos trotskistas aliados à ANAM-POS” e assim por diante. A pretensão é grande. Mas não ficam nisso. Consideram que palavras-de-ordem fundamentais do PT são fruto da elaboração trotskista (o que não é de todo inexato). Enfim, o PT já seria, nesta altura, uma mescla de sindicalismo e de trotskismo em marcha para se converter numa entidade da IV Internacional.

Que se acautelem os petistas: o cavalo de Tróia dos trotskistas já invadiu seus domínios, lealmente!…

Os trotskistas não são aquilo que blasonam. Resumem-se a pequenos grupos em constante desagregação. A “Convergência Socialista” praticamente desapareceu, hoje vive em função de uma ala jovem denominada “Alicerce da Juventude Socialista”. Alguns jornais deixaram de circular por falta de leitores. Eles mesmos confessam que “cai o número de militantes trotskistas” e que “a venda dos jornais” se reduz. Mas continuam ativos na sua pregação e ação contra-revolucionária.

* * *

Na luta ideológica contra os encapuzados inimigos da revolução, torna-se necessário desmascarar também o trotskismo. Isto faz parte do combate geral pela elevação do nível de consciência política das grandes massas que precisam distinguir, na complexidade da luta de classes, o joio e o trigo.

 

Em nosso país há um proletariado jovem surgido no curso das últimas duas ou três décadas. Não conhecem o desmascaramento, feito no passado desses camuflados adversários do comunismo. Vivendo sob ditadura feroz, teve poucas possibilidades de entrar em contato com as idéias avançadas que lhe dizem respeito. Está ansioso por fazê-lo, mostra-se receptivo aos pontos de vista revolucionários. Por isso é indispensável ajudá-lo a não se confundir, a saber separar as opiniões corretas das incorretas. Os trotskistas constituem uma das muitas variantes da política burguesa para o movimento operário. Seus dirigentes são falsos sinaleiros do caminho da revolução social.

O trotskismo, corrente política contra-revolucionária – João Amazonas (1984)

João Amazonas, na revista Princípios, edição de maio de 1984

O trotsquismo continua a exalar miasmas no ambiente da luta social e política. Em toda parte onde cresce o movimento revolucionário, aí aparecem os trotskistas para confundir, diversionar, enganar as massas. Difundindo teses sectárias, intitulando-se falsamente de marxistas e até de leninistas, fazem o jogo da reação e do imperialismo. Seu alvo predileto de ataque é o partido do proletariado baseado na doutrina de Marx, Engels, Lênin e Stalin. Embora divididos em diversos agrupamentos, sua tática pouco varia. Apóiam-se nas teorias fracassadas de Leon Trotsky.

 

Ainda que não representem grande coisa como organização, influenciam certos setores do movimento popular, notadamente os de origem pequeno-burguesa. No passado, tinham sido amplamente desmascarados, mas as novas gerações de combatentes da causa socialista desconhecem a trajetória e os verdadeiros objetivos do trotskismo. Vale a pena recordá-los e atualizá-los a fim de ajudar as massas na luta por sua completa libertação.

TEÓRICO MALOGRADO

O trotskismo desenvolveu-se no seio do movimento operário russo nas três primeiras décadas do nosso século. Está intimamente ligado com a atuação de Leon Trotsky, intelectual pretensioso que jamais conseguiu assimilar os ensinamentos científicos do marxismo. Desde a criação dos primeiros círculos revolucionários na Rússia para combater o czarismo e organizar o partido da classe operária, Trotsky manifestou suas tendências individualistas, pequeno-burguesas, procurando ocupar de qualquer maneira as posições de chefia do movimento proletário. Na história do bolchevismo, fundado e orientado por Vladimir Ilitch Lênin, que levou a revolução à vitória em 1917, Trotsky aparece meteoricamente, em fuga constante do esforço comum para forjar aquele partido. Suas teorias, se se pode assim denominar esse amontoado de incoerências, são ecléticas e metafísicas. O conteúdo de classe é pequeno-burguês. Uma das principais teses de Trotsky é a da chamada revolução permanente, elaborada em 1906 e retocada várias vezes. Aí ele nega as etapas da revolução e a construção do socialismo num só país, introduz o aventurismo no plano da revolução mundial. Os marxistas-leninistas consideram a revolução em todo o mundo como um processo de lutas radicalizadas que se desenvolvem em níveis diversos e em distintos países, nos cinco continentes.

 

Antes da fase monopolista do capitalismo, Marx e Engels afirmavam que a transformação revolucionária da sociedade somente seria possível se realizada simultaneamente nos centros mais avançados. Essa opinião, entretanto, tornou-se antiquada na vigência do sistema imperialista, época em que o desenvolvimento desigual do capitalismo, as contradições geradas por esse sistema possibilitavam que a revolução proletária pudesse surgir em alguns países, ou mesmo num único, criando condições favoráveis ao seu desdobramento onde fosse mais débil o elo da cadeia imperialista. Foi Lênin, em 1915, quem chegou a essa genial conclusão de enorme significação para o movimento operário internacional. Trotsky sustentava ponto de vista contrário.

“Sem um apoio estatal direto do proletariado europeu (o grifo é nosso), a classe operária da Rússia não poderá manter-se no poder e transformar sua dominação temporária numa ditadura socialista duradoura. Disto não se pode duvidar um só instante” (Leon Trotsky, Nossa Revolução, 1906). Mesmo depois da vitória da Revolução de Outubro na Rússia, ele escrevia:

“Enquanto nos demais Estados europeus se mantenha no poder a burguesia, nos veremos obrigados, na luta contra o isolamento econômico, a buscar acordos com o mundo capitalista; ao mesmo tempo pode-se afirmar com toda certeza que esses acordos podem, no melhor dos casos, ajudar-nos a cicatrizar uma ou outra ferida econômica, a dar um ou outro passo adiante, porém, o verdadeiro auge da economia socialista na Rússia não será possível senão depois da vitória do proletariado nos países mais importantes da Europa” (“Epílogo da nova edição do folheto O Programa da Paz”, Leon Trotsky, 1922).

 

Semeava desta forma o pessimismo, a falta de fé na obra da revolução que, afinal, sem o apoio estatal do proletariado europeu e sem o concurso do mundo capitalista, foi capaz de desenvolver largamente a economia socialista, criar uma nova vida, e alcançar na guerra contra o hitlerismo o triunfo mundial dos povos sobre o fascismo.

 

A tese trotskista da revolução permanente desconhecia o papel do campesinato como força aliada do proletariado para construir o socialismo. Julgava que a revolução

 

“entraria em choques hostis, não só com todos os grupos burgueses que apoiaram o proletariado nos primeiros momentos de sua luta revolucionária, mas também com as vastas massas camponesas com a ajuda das quais chegou ao poder. As contradições na situação do governo operário num país atrasado, no qual a maioria esmagadora da população é composta de camponeses, só poderão ser solucionadas no plano internacional, no terreno da revolução mundial do proletariado (os grifos são nossos)

(Prefácio do livro 1905, Leon Trotsky, escrito em 1922).

Trotsky não compreendia a ditadura do proletariado como

“uma forma especial de aliança de classe entre o proletariado, vanguarda dos trabalhadores, e as numerosas camadas de trabalhadores não-proletários, aliança dirigida contra o capital, cujo objetivo é a derrubada completa do capital, o esmagamento completo da resistência da burguesia e de suas tentativas de restauração, aliança que objetiva a instauração e a consolidação definitiva do socialismo” (V. I. Lênin, Obras Completas).

 

Tomada em seu aspecto mais geral, a questão camponesa inclui a união com o conjunto do campesinato numa primeira etapa da revolução (na Rússia como no Brasil), e a liquidação dos kulaks (camponeses ricos) na segunda etapa. O socialismo se constrói, como demonstra a experiência histórica, em aliança com as massas camponesas pobres que se convertem, após a coletivização da agricultura, num sólido ponto de apoio à construção da economia socialista.

 

Mas não apenas na subestimação do campo Trotsky comete erros. O mesmo raciocínio mecânico desenvolve em relação ao problema da libertação nacional dos povos oprimidos. Propagou a opinião de que estes somente poderiam libertar-se completamente com a vitória da revolução nas metrópoles imperialistas às quais estivessem subordinadas. Diz ele:

 

“Se se examinam a Grã-Bretanha e a Índia como duas variedades extremas do tipo capitalista, chega-se à conclusão de que o internacionalismo dos proletários ingleses e hindus baseia-se sobre a interdependência das condições, dos fins e dos métodos, e não sobre a sua identidade. Os sucessos do movimento de libertação da Índia impulsionam o movimento revolucionário na Inglaterra, e vice-versa. Uma sociedade socialista autônoma não pode ser construída nem na Índia nem na Inglaterra. Os dois países deverão fazer parte duma unidade mais elevada. É nisto, e somente nisto, que reside a base inquebrantável do internacionalismo marxista”. (Leon Trotsky, in A Revolução Permanente).

 

Essa “unidade mais elevada” traz implícita a idéia de que a revolução nos países coloniais ou semicoloniais é inseparável da vitória do movimento revolucionário nas metrópoles. Ou seja, o proletariado dos países oprimidos somente poderá alcançar sua verdadeira emancipação quando a revolução for também possível no país opressor, o que é um absurdo completo.

 

Sua concepção da luta revolucionária com relação aos países atrasados leva ao comprometimento destes com o capital financeiro internacional. Analisando o Plano de Seis Anos do governo de Cárdenas, no México, Trotsky proclamava a necessidade de que se abrissem as portas ao capital imperialista:

 

“Os autores do programa – dizia Trotsky – querem construir completamente o capitalismo de Estado, num período de seis anos. Mas uma coisa é nacionalizar as empresas existentes e, outra, criar novas empresas com meios limitados e num terreno virgem. A história conheceu um exemplo de indústria criada sob a supervisão do Estado: a URSS. Mas foi preciso uma revolução socialista. (…) No México não temos uma revolução socialista, o país é pobre. Nestas circunstâncias, seria quase um suicídio fechar as portas ao capital estrangeiro. Para construir o capitalismo de Estado, é preciso o capital” (Leon Trotsky, Análise do Plano de Seis Anos, 1939).

 

Quer dizer, como não havia uma revolução socialista no México, o jeito era construir o capitalismo de Estado com recursos do capital alienígena que, afinal, acabou submetendo o México, vizinho dos Estados Unidos, aos banqueiros norte-americanos.

 

Óbvio que a “teoria” da revolução permanente de Trotsky conduz, na realidade, à não-revolução em geral. Mesmo onde a revolução viesse a ocorrer, tenderia ao fracasso. Os explorados e oprimidos teriam de marcar passo à espera da revolução no mundo inteiro, pois só assim poderiam construir com êxito o socialismo. Tal a contextura teórica do trotskismo, uma simples amostra da fragilidade das idéias em que se apóia. No terreno teórico, Trotsky foi um fracasso total. E o pior: seu pensamento é mistificador, anti-revolucionário.


CONCEPÇÃO ESPONTANEÍSTA DE PARTIDO

Leon Trotsky jamais compreendeu a importância do partido do proletariado armado de uma teoria de vanguarda como o instrumento fundamental da revolução. Subestimou o fator consciente na dinâmica revolucionária. Polemizando com Lênin, afirmou:

 

“Ele (Lênin) ignora deliberadamente o fato de nós termos necessidade imperativa, não de raízes 'filosóficas' (que besteira, como se a invocação de não importa que seita não tivesse, de um ponto de vista 'filosófico', tais ou quais raízes profundas!), mas de raízes políticas reais, de um contato vivo com as massas, que nos permita a cada momento decisivo mobilizar essa massa em torno duma bandeira por ela reconhecida como sua” (Leon Trotsky in Nossas Tarefas Políticas).

 

Que besteira! exclama ele, aludindo a uma questão primordial, qual seja o papel do elemento consciente. No texto citado, este elemento ocupa o segundo plano, não tem maior significado. Tal idéia, aliás, vem sendo repetida no Brasil por dirigentes do Partido dos Trabalhadores, o PT (aqui, sim, se poderia dizer: que besteira!). A ideologia (as raízes filosóficas) não é devidamente considerada. O principal seria a ligação com as massas, empunhar as bandeiras por elas aceitas (note-se que, sem consciência socialista, as bandeiras reconhecidas pelas massas nunca chegarão a ser as da revolução proletária, mas as do reformismo, do economismo). Já no início do século, Lênin advertia que “sem teoria revolucionária não existe movimento revolucionário”. As raízes filosóficas não são tolices, ranço desprezível, mas o substrato mesmo da luta libertadora. Tais raízes não emanam do movimento espontâneo, advêm da ciência. Daí por que a característica essencial de um partido revolucionário não é propriamente a sua ligação com as massas, ainda que essa ligação seja indispensável, mas o conteúdo filosófico da doutrina que sustenta, no caso, o marxismo-leninismo. Qualquer partido populista será capaz de manter extensos vínculos com as massas e nem por isso pode ser considerado instrumento da revolução social.

 

Desdenhando a teoria na formação e no desenvolvimento do partido, Trotsky perde de vista a importância do fator subjetivo no processo revolucionário. Não é acidental que os trotskistas vejam em cada movimento mais combativo das massas, ou nas crises políticas, o imediato e automático surgimento da revolução. Para eles, a greve geral (que greve? em que circunstância?) põe em pauta a derrocada do poder político… a guerra por si mesma traz espontaneamente a revolução… O trotskismo toma de maneira esquemática um único aspecto da situação sem levar em conta o problema fundamental da direção consciente, o nível em que esta se encontra e o papel que desempenha no quadro político.

 

As concepções de Trotsky sobre o partido são liberais, social-democratas. Lênin enfatizou que o partido do proletariado, para cumprir sua missão, tem de ser monolítico, disciplinado, vanguarda organizada da classe operária. A experiência da Revolução Russa e da de outros países mostrou toda a justeza da teoria leninista de partido que é, por sua própria natureza, contrário à existência em seu seio de grupos e frações. Trotsky, desde o início de sua atividade, sempre atuou contrariando o princípio da unidade partidária. Ele mesmo confessa em A Revolução Permanente que sua posição no interior do partido tinha sido conciliadora. Admitia, entretanto, que isso fosse apenas um equívoco no terreno organizacional, quando na verdade era a linha da unidade sem princípios. Aliou-se todo o tempo com os mencheviques russos, com os liberais e os liquidacionistas, com os chamados otsovistas (oportunistas de esquerda) para lutar contra o Partido dos bolchevistas. No início da segunda década deste século, Lênin assim se manifestou sobre o papel de Trotsky :

 

“É claro que Trotsky e seus iguais, os trotskistas e conciliadores; são mais nocivos que qualquer liquidacionista, pois os liquidacionistas declarados expõem abertamente suas concepções sendo fácil aos operários constatar o seu caráter errôneo, enquanto os senhores Trotsky e companhia enganam os operários, encobrem o mal e tornam impossível desmascará-lo e remediá-lo. Quem quer que apóie o grupelho de Trotsky sustenta uma política de mentira e de engodo dos operários, uma política de proteção da corrente liquidacionista” (V. I. Lênin, setembro de 1911).

 

Trotsky foi ferrenho adversário do autêntico partido proletário, da organização de vanguarda, marxista-leninista, um defensor do pluralismo ideológico no seio do partido. Nunca se integrou plenamente em suas fileiras. Somente em agosto de 1917, no VI Congresso dos bolcheviques, retornou ao Partido, dois meses antes da Revolução de Outubro. Então fazia parte de um grupo que incluía trotskistas, mencheviques e alguns bolcheviques transviados. No Partido, voltou à sua antiga prática fracionista.

TROTSKY NUNCA FOI LENINISTA

Os adeptos do trotskismo tentam cinicamente apresentar Leon Trotsky como companheiro de Lênin, como leninista; suas discordâncias teriam sido unicamente com Stalin. Não têm pudor de falar em Partido de Lênin e Trotsky, de se dizerem propagadores e continuadores do bolchevismo. Procedem desse modo para confundir os operários e as massas populares que admiram Lênin, para esconder sua real catadura contra-revolucionária.

 

O trotskismo sempre foi uma corrente hostil ao bolchevismo. Trotsky não só se manteve em constante oposição a Lênin como o atacou inúmeras vezes. Numa carta dirigida a Chjeidze, em 1913, logo depois da Conferência de Praga que reestruturou o Partido duramente golpeado pelos liquidacionistas, ele escrevia:

 

“Todo o edifício do leninismo baseia-se hoje em dia na mentira e na falsificação e leva em si o princípio venenoso de sua própria decomposição”.

 

Assim Trotsky considerava todo o imenso cabedal teórico da obra gigantesca do continuador de Marx e Engels. Em decomposição, na verdade, estava o trotskismo, esse fruto podre do movimento operário.

 

V. I. Lênin, em diversas oportunidades, traçou o perfil político-ideológico de Leon Trotsky, velho conciliador, falso materialista dialético.

 

“Em 1903 – escreveu Lênin sobre Trotsky – foi menchevique; abandonou o menchevismo em 1904; voltou ao menchevismo em 1905, fazendo alarde de uma fraseologia ultra-revolucionária; em 1906 se separou de novo; em fins de 1906 defendeu os acordos eleitorais com os kadetes (isto é, esteve outra vez com os mencheviques); na primavera de 1907 disse que divergia de Rosa Luxemburgo em matizes individuais. Trotsky plagia hoje a bagagem ideológica de uma fração, amanhã de outra e, como consequência, se proclama situado por cima de ambas as frações. Em teoria, Trotsky não está de acordo em nenhum ponto com os liquidacionistas e os otsovistas, mas na prática está totalmente com os Golos (liquidacionistas) e os de Vperiod (otsovistas) (V. I. Lênin, Obras Completas, vol. XVI, p. 392).

E, em dezembro de 1911, Lênin assinalava:

“Com Trotsky não se pode discutir a fundo, porque não tem opinião alguma. Pode-se e deve-se discutir com os liquidacionistas e os otsovistas convictos, porém, com um homem cujo jogo é encobrir os erros de ambas as tendências não se discute: se desmascara como… a um diplomata do mais baixo jaez” (A Diplomacia de Trotsky e Certa Plataforma, V. I. Lênin). Não somente antes, mas após a Revolução de Outubro, Trotsky hostilizou o leninismo. Na questão crucial da paz de Brest-Litovski, defendida energicamente por Lênin, e da qual dependia a própria sorte da revolução, Trotsky fez todos os esforços para derrotar a proposta do chefe do bolchevismo. Chegou a renunciar ao posto de Comissário do Povo para os Negócios Exteriores a fim de pressionar outros camaradas a votarem contra Lênin. Negou-se peremptoriamente a participar da delegação de paz. Mais tarde, em momento difícil da revolução, forçou um debate geral sobre os sindicatos. Intentava, nessa ocasião, 1920, implantar nas entidades de massas normas rígidas de direção. Não percebia que, terminada a guerra, entrava-se num período de construção pacífica da economia. Os métodos militares e a política do comunismo de guerra estavam ultrapassados. Ele exigia que se “sacudissem” os sindicatos e os estatizassem sem ver que os sindicatos, como indicava Lênin, são organizações autônomas das massas, correias de transmissão entre a ditadura do proletariado e os trabalhadores. Para dirigir corretamente tais organizações, nessa nova fase, impunha-se a adoção de outros métodos – os da persuasão, em primeiro lugar, e não os da coerção, como queria Trotsky. Este transplantava para as entidades sindicais os métodos próprios das organizações militares. Nessa ocasião, Lênin afirmou:

 

“Quando comparo o folheto de Trotsky com as teses que ele apresentou ao Comitê Central e o reviso cuidadosamente, assombra-me a quantidade de erros teóricos e de evidentes inexatidões que contém”.

E mais adiante:

“Trotsky incorreu numa série de erros relacionados com a essência da ditadura do proletariado” (V. I. Lênin, Os Sindicatos, a Situação Atual e os Erros do Camarada Trotsky).

 

Enfim, o trotskismo não é nem nunca foi leninista, mas uma corrente pequeno-burguesa, incapaz de entender o marxismo e a dialética marxista, oscilando ora para a direita, ora para a esquerda, mas principalmente para o ultra-esquerdismo. Com o passar do tempo, e ante os repetidos fracassos que sofria, Trotsky evoluiu no sentido de posições abertamente contra-revolucionárias, transformou-se num instrumento da burguesia destinado a desviar as massas da verdadeira luta emancipadora, da sua integração no partido. Esforçou-se por fazer malograr a construção do social ismo na URSS.


AS TÁTICAS DO TROTSKISMO

Os métodos de atuação e os procedimentos táticos do trotskismo refletem o caráter da sua orientação e linha de conduta anti-revolucionária.

 

A tática preferida tem como elemento constante a utilização da fraseologia ultra-esquerdista com a qual procura explorar o sentimento de revolta das massas, buscando atraí-las e instigá-las a posições extremadas que não levam em conta a situação real, os compromissos obrigatórios, a aliança com certas forças não-proletárias. É uma tática de isolamento da classe operária que, se adotada, conduziria o movimento revolucionário ao total insucesso.


O centro do ataque dos trotskistas orienta-se contra o partido do proletariado, marxista-leninista. Tudo que possa servir para enfraquecê-lo ou desacreditá-lo é por eles usado sem nenhum escrúpulo. Sabem que o partido marxista-leninista é a força impulsionadora, organizadora e conscientizadora das massas visando à revolução. Tratam por isso de difamar, deturpar a atividade dos autênticos comunistas, incompatibilizá-los com os trabalhadores por meio da mentira. Intencionalmente, confundem os marxistas-leninistas com os revisionistas, traidores da causa operária. Espalham boatos, atribuem ao partido propósitos inconfessáveis eivados de falsidade. Nesse particular, seus ataques coincidem com os da burguesia e do seu aparelho de repressão. Têm o mesmo conteúdo. Em toda parte, desde a década de 1920, pregam a construção do “verdadeiro partido” em oposição aos partidos marxistas-leninistas existentes no mundo, que seriam aparelhos burocráticos. Nunca construíram nada. O que fizeram e fazem é intrometer-se em partidos falsamente operários para tentar afastar os proletários da sua autêntica vanguarda de classe.

 

A arremetida furiosa contra Stalin e o stalinismo é um dos principais chavões da tática dos trotskistas. São ridículos e, ao mesmo tempo, cínicos nessa investida. Fazem coro com a campanha desencadeada pelo imperialismo e por todas as forças reacionárias objetivando a denegrir a figura e a obra do grande revolucionário proletário que foi J. V. Stalin, continuador de Lênin, construtor do socialismo na URSS à frente do povo soviético. A essa infame campanha juntaram-se Kruschev e seus seguidores, renegados da revolução e da causa suprema da classe operária. O stalinismo, se se pode empregar este termo, outra coisa não é senão a aplicação e o desenvolvimento da teoria marxista, a sistematização da rica experiência da edificação da nova sociedade na antiga Rússia. Atacando o stalinismo, por eles deturpado e apresentado como burocracia e reformismo, o que os trotskistas visam é a desorientar os trabalhadores, procurar distanciá-los dos verdadeiros revolucionários, os marxistas-leninistas, dificultar o trabalho de frente-única nas organizações de massas.


Os trotskistas adotam como método de atuação o entrismo, recomendado nos anos 1930 por Trotsky aos seus correligionários. Entrismo que significa introduzir-se sorrateiramente em partidos e organizações de esquerda com o fito de aí realizar o seu trabalho sectário, divisionista, contra-revolucionário. Isolados das massas, desmoralizados, sem condições de aparecer com a própria fisionomia diante dos trabalhadores, recorrem ao bifrontismo como meio de camuflar sua ações escusas e fazer proselitismo. A par do entrismo, organizam distintos grupos com posições aparentemente diferenciadas. Esse comportamento contraditório explica-se pela incoerência da sua “doutrina”. Usam esses grupos portadores de opiniões diferentes para, como diz o velho ditado, vender gato por lebre. E ter sempre argumentos de reserva a fim de justificar sua traição aos interesses fundamentais do proletariado.

A IV INTERNACIONAL

Rejeitado pelo povo soviético, Trotsky iniciou no exterior sua atividade tendenciosa. Em contraposição à III Internacional leninista, fundou um arremedo de organização mundial por ele denominada de IV Internacional que no período da Segunda Grande Guerra se dispersou por falta de apoio. Os trotskistas tentaram reconstruí-la em 1943. No começo da década de 1950, sumiu novamente. Voltaram à liça em 1963, sem resultados positivos. Reuniram-se novamente em 1982, e a crise continua.

A atividade geral dos trotskistas, bastante escassa, reanimou-se após as infâmias de Kruschev acerca da atuação de Stalin. Ao difundir calúnias e inverdades sobre a construção do socialismo na URSS, os renegados revisionistas prestaram relevantes serviços à burguesia e ao imperialismo. Na onda que levantaram contra o comunismo, ergueram-se também os trotskistas. A expansão do revisionismo, atingindo os partidos comunistas que se converteram em organizações social-democratas, abriu igualmente caminho aos trotskistas. Conseguiram assim avançar um pouco mais em alguns países, notadamente na França, nos Estados Unidos, na Argentina.

Atualmente, estão divididos em duas alas internacionais, ambas reivindicando a paternidade da IV Internacional. Uma, intitula-se Centro Internacional de Reconstrução; a outra, Liga Internacional dos Trabalhadores. A primeira edita o jornal Tribuna Internacional, a segunda, o Correio Internacional. As duas baseiam-se no “Programa de Transição” escrito por Trotsky em 1938. Estas alas subdividem-se em vários grupelhos em distintos países. Mas todos defendem linha idêntica, diferente apenas em nuances, linha anti-revolucionária, antiunitária, de ataque aos movimentos marxistas-leninistas. Não obstante, a luta entre elas toma em determinados momentos formas agudas. Em seu número de março/abril de 1983, o Correio investe contra o SU (Secretariado Unificado) que teria utilizado um “entrismo sui generis”, votando resolução favorável ao ingresso dos trotskistas (disfarçadamente) nos partidos comunistas (revisionistas) e chamando Fidel Castro de “revolucionário formidável”. Por sua vez, a Tribuna (outubro/1982) agride o Partido trotskista dos Estados Unidos, o SWP, que se teria afastado das linhas mestras do trotskismo, inclinando-se para o apoio a Fidel e fazendo o elogio da direção vietnamita. A contenda chega às vezes a lances vergonhosos revelando a tratantada que se passa nos bastidores trotskistas. Lambert e Villaran, figuras de proa do trotskismo, acusam Ricardo Napuri, senador peruano de tendência trotskista, “de ter roubado dinheiro do partido…”

O principal dirigente da Liga Internacional, Nahuel Moreno, afirma sem rodeios, referindo-se à luta do Solidarnosc, na Polônia, que:

“os trotskistas não deviam ter medo de fazer o jogo do imperialismo, deviam lutar pela ditadura revolucionária do proletariado, dirigida por Walesa, sem temer que essa ditadura fosse de fato a representação direta de Reagan, do Papa, de Mitterrand no seio do Estado Operário” (In Tribuna Internacional (set/1982) sobre a Conferência Mundial Aberta).

 

Verdade é que, na prática, o trotskismo sempre fez o jogo do imperialismo e da reação, continuamente se opôs aos interesses da classe operária e do povo.

As duas alas da pretensa IV Internacional tratam o Estado Cubano de Estado Operário:

“Não por acaso – escreve The Militant, semanário do SWP trotskista dos Estados Unidos – o Estado Operário mais democrático do mundo é também o país em que os operários e os camponeses desenvolvem o mais firme e mais profundo internacionalismo revolucionário. Este internacionalismo fez de Cuba uma inquebrantável defensora da URSS contra o imperialismo” (o grifo é nosso).

 

Aqui, junto com o apoio aberto à União Soviética revisionista, social-imperialista, aparece uma estranha caracterização do Estado. Certamente, Cuba fez uma revolução democrática e antiimperialista. Mas a não ser em palavras, nos discursos bombásticos de Castro, não alcançou a etapa socialista. Presentemente, é um país dependente da URSS. Quem dirige o Estado cubano não é a classe operária, mas a pequena-burguesia.

 

Também no que se refere à Nicarágua, onde foi iniciada uma revolução nacional e democrática que enfrenta sérias dificuldades, os trotskistas asseveram que ali começou a ditadura do proletariado:

 

“A constituição de milícias e de comitês pela classe operária e o campesinato, e o combate militar dirigido pela FSLN, que tinha como eixo acabar com a ditadura somozista tiveram como resultado a abertura da revolução proletária. Havíamos assinalado na época que esta revolução proletária começando na Nicarágua, desmantelando o Estado burguês, havia abalado o conjunto dos países da região” (In Tribuna Internacional (set/1982), “A Conferência Mundial Aberta Trotskista”).

 

Como se vê, na Nicarágua, onde a classe operária não conseguiu até agora a hegemonia no processo revolucionário complexo que ali se desenrola, já se deu, segundo os trotskistas, a abertura da revolução proletária, socialista! Repete-se, tanto no caso cubano como no nicaraguense, o erro de Trotsky de confundir as etapas da revolução, de suprimi-las arbitrariamente. Em última instância, é o esforço por contrapor-se à verdadeira marcha revolucionária que exige para o seu êxito clareza na definição das etapas inevitáveis.

Com relação à União Soviética, inteiramente falsa é a caracterização que fazem do atual sistema social vigente nesse país. Dizem eles:

“São idênticas as relações de produção na União Soviética de 1917 e de 1982, só as formas políticas são diferentes (…) No plano das relações de produção devemos considerar que não há mudança qualitativa” (In Tribuna Internacional (set/1982), Resolução da IV Internacional).

Insistem ser indispensável “identificar, sob o ângulo das relações de produção, a URSS de 1917 à URSS de 1982” (Fonte citada).

Erro evidente. Começa que as relações de produção na URSS de 1917 só parcialmente eram socialistas, isto é, no setor das empresas nacionalizadas. No campo e em outros setores, as relações de produção não tinham ainda cunho socialista. Nessa época, na opinião de Lênin, havia cinco diferentes tipos de economia na Rússia: a patriarcal, a pequena produção mercantil, o capitalismo privado, o capitalismo de Estado e a formação socialista. De qualquer modo, é mecânica e destituída de fundamento a separação que os trotskistas fazem entre relações de produção e formas políticas. As relações de produção dependem do sistema de propriedade. Se a propriedade é socialista também o é o regime político. (Pode haver, no período inicial do poder proletário, diversos tipos de relações de produção, como de 1917 até 1921 ou um pouco mais, na Rússia, mas tendem a desaparecer porque a propriedade vai-se transformando em bem geral da coletividade.) Ao contrário, se o regime político deixa de ser socialista, igualmente a forma de propriedade se modifica, já não será mais socialista. Ora, na União Soviética, desde que os revisionistas se apoderaram da direção do Partido e do Estado, deixou de existir o socialismo; eles mudaram não apenas as formas políticas, mas a natureza mesma do Estado que, de ditadura do proletariado, passou a ser, conforme decisão tomada no Congresso do partido revisionista, um pretenso Estado de todo o povo. Sem ditadura do proletariado não há socialismo, mas uma forma disfarçada de dominação da burocracia erigida em classe burguesa dominante. Com as modificações operadas no regime político soviético, o sistema econômico converteu-se em capitalismo de Estado, mudando na essência as relações de produção. É bastante observar o que ocorre no setor de distribuição, parte integrante do conceito de relações de produção. Atualmente, como se dá na URSS a distribuição daquilo que foi produzido? Uma pequena parcela da população, ligada ao poder político, usufrui proventos e vantagens que lhe asseguram um modo de vida burguês, enquanto a maioria dos trabalhadores ganha salários insuficientes. Os recursos que beneficiam a diminuta camada privilegiada, burguesa, são retirados daquela parte que, na distribuição, deveria acelerar o crescimento da produção e a elevação do nível do bem-estar material e cultural do povo trabalhador. É um embuste dizer que na União Soviética dos nossos dias as relações de produção são socialistas, e as formas políticas não.

Trotsky já havia assinalado falsamente que:

“Para nós, o critério político essencial não é a transformação das relações de propriedade nesta ou naquela região, mas a mudança a ser operada na consciência e na organização do proletariado mundial, a sua capacidade de defender suas conquistas anteriores e realizar outras (…) O conteúdo fundamental da ditadura do proletariado, a expropriação, é válido sempre”.

Indubitavelmente, o conteúdo fundamental da ditadura do proletariado não é a expropriação por si mesma, o que também se faz em certos casos numa revolução democrática, mas a dominação de classe do proletariado, sua luta para construir a nova sociedade. A principal conquista é o Estado de ditadura do proletariado, a liquidação de todas as formas de domínio burguês e o surgimento de novas relações de propriedade que devem ser aprofundadas e consolidadas. A União Soviética de hoje não é socialista, nem no aspecto político, nem no das relações de produção, apesar de manter a antiga expropriação, que agora serve a outros fins.

 

Convém destacar a desfaçatez dos trotskistas que, no período anterior a Kruschev, não faziam outra coisa senão agredir a União Soviética e o seu regime socialista, e depois que o revisionismo ali se implantou, passaram a elogiá-la, a considerar não ter havido mudanças significativas no campo das relações de propriedade.

 

Esforçando-se por criar um centro internacional de coordenação dos diversos grupos em que se dividem e subdividem, os trotskistas apregoam a tese de que “o internacionalismo proletário é abstrato quando não está ligado a uma Internacional”. Evidentemente, o internacionalismo militante, ativo, não se relaciona, invariavelmente, com a fundação de um centro mundial, o que depende de certas condições históricas. De 1873 a 1889 não existia nenhuma internacional e nem por isso desapareceu o internacionalismo. Tampouco de 1917 a 1919. Mas todos reconhecem que, neste período, realizaram-se vigorosas manifestações internacionalistas proletárias cerrando fileiras em torno do novo poder surgido na Rússia. E depois da extinção da III Internacional, em 1943, o internacionalismo não se evaporou, nem perdeu a força. Expressou-se decididamente no apoio à União Soviética em guerra contra a Alemanha hitlerista, na condenação à agressão norte-americana à Coréia, na ajuda generalizada à luta dos povos do mundo inteiro. O que realmente o define é a conduta revolucionária dos proletários frente aos combates de classe em sua própria pátria que contribuam para abalar e liquidar o sistema capitalista mundial, é a defesa das nações socialistas, bem como a sustentação consequente dos movimentos emancipadores que têm lugar nos diferentes países. O apelo de Marx e Engels – “Proletários de todos os países, uni-vos”! – não se traduz automática e esquematicamente pela criação de internacionais. (Os fundadores do marxismo participaram da dissolução da I Internacional). O exato sentido desse chamamento histórico é o de que os proletários devem unir-se na luta revolucionária para derrubar o capitalismo e construir em todo o Globo a nova vida socialista, comunista. O argumento perrengue dos trotskistas, nesta questão, destina-se unicamente a justificar a recomposição, sempre falida, da IV Internacional desagregadora, anticomunista.

O TROTSKISMO NO BRASIL

Também no Brasil atuam os trotskistas. No passado, formavam um grupelho inexpressivo que se limitava, como os seus parceiros de outras regiões, ao ataque permanente à URSS socialista e ao partido da classe operária. Faziam provocações, tentavam organizar frações no seio do Partido Comunista do Brasil, sem êxito.

 

Na atualidade, são mais numerosos. Durante o período da ditadura militar, quando a repressão se tornava violenta contra os autênticos revolucionários, contra os democratas consequentes e até mesmo contra os reformistas, eles começaram a ganhar terreno. Exceto elementos isolados, não eram tão perseguidos. Hoje constituem grupos que ostentam as mais variadas denominações: “Convergência Socialista”, “Libelu”, “Alicerce”, “Centelha”, “Travessia”, “Peleia” etc. Uns são filiados à ala da IV Internacional que edita a Tribuna Internacional, outros à do Correio Internacional. Publicam alguns periódicos: Em Tempo, Alicerce, O Trabalho, entre outros.

 

Por certo tempo sua atividade foi panfletária, sem maior significação. No momento da reorganização dos partidos políticos, os trotskistas de diferentes tendências, sem exceção, integraram-se maciçamente no Partido dos Trabalhadores, presidido por Luís Inácio da Silva. Cobrindo-se com a bandeira do PT, trataram de ligar-se às massas, em especial à pequena-burguesia. Com o tempo, e astúcia, foram-se assenhoreando de posições importantes nesse partido que surgira de lideranças sindicais envolvidas nas lutas grevistas de 1978-80, sem experiência política. Muitas teses errôneas defendidas por dirigentes do PT são de origem trotskista. E não apenas conceitos políticos ou filosóficos, mas também métodos de atuação sectários, exclusivistas e até provocadores.

 

Ao introduzir-se no PT, o seu objetivo é buscar um ponto de apoio à sua atividade perniciosa no movimento democrático e no seio da classe operária e do povo. A finalidade que perseguem pode ser resumida da seguinte maneira: impedir ou dificultar a unidade da classe operária e das forças populares; apoderar-se, com a capa de petista, das organizações de massas que, em seguida, se transformam em entidades de uma determinada tendência política, perdendo seu caráter massivo, sendo levadas a posições estreitas e antiunitárias; bloquear a união das correntes democráticas e patrióticas; e, principalmente, tentar marginalizar o partido marxista-leninista, o PC do Brasil, arma afiada da luta pelo socialismo. Isoladamente, os trotskistas representam pouca coisa, sua desmoralização é grande. Mas acobertados com o manto do PT conseguem penetrar entre as massas usando linguagem ultra-radical como meio de atrair os trabalhadores. Seu radicalismo nada tem de revolucionário; no fundo, são reformistas, economicistas. No que respeita à política, circunscrevem-se a palavras-de-ordem gerais, abstratas, sem relação com o curso real da situação.

 

São useiros em lançar campanhas e jornadas irrealistas, estreitas, que se esvaziam num palavreado oco e terminam em acusações aos que não lhes seguem as pegadas. As organizações que caem sob a sua influência imobilizam-se, tornam-se arena de disputas intestinas entre grupos trotskistas. Falam muito em organização independente da classe operária no terreno sindical. Mas a orientação que preconizam é a da divisão, da fundação de múltiplas centrais sindicais que servem para isolar os trabalhadores em agrupamentos ligados a correntes políticas diversas. Por sinal, tal orientação coincide com as do imperialismo, do Vaticano e da socialdemocracia. O proletariado precisa de liberdade sindical, da independência de seus sindicatos frente ao Estado e aos patrões. Mas ao lutar pela liberdade e autonomia sindical, em defesa dos seus interesses vitais, os trabalhadores almejam a unidade da classe, opõem-se ao fracionamento, à divisão de suas fileiras o que favorece unicamente ao capital, à exploração burguesa.

 

Entre a juventude, os trotskistas promovem atividades dissolventes, desagregadoras, desmoralizantes. Tratam de explorar o sentimento de renovação e rebeldia sempre presente nos jovens, ansiosos de liquidar os tabus, os preconceitos, os empecilhos levantados pelo mundo burguês ao progresso social e cultural. Introduzem idéias malsãs, propagam, como se fossem progressistas, deformações e vícios da sociedade capitalista em decomposição.

 

Minoria insignificante nos movimentos de massa, procura impor opiniões e projetos recorrendo a métodos fascistas. Por meio do tumulto, da balbúrdia, das vaias dirigidas criam um ambiente de confusão nos atos massivos, buscando impedir dessa forma o pronunciamento e a argumentação dos que não comungam de seus pontos de vista. Com isso comprometem a própria imagem do Partido dos Trabalhadores que aparece como organização adversa à democracia.


TENTATIVA DE TRANSFORMAÇÃO DO PT EM ORGANIZAÇÃO TROTSKISTA

O Partido dos Trabalhadores é uma organização ainda indefinida sob o aspecto político-ideológico. Tende para a social-democracia, embora criticando certas posições dessa corrente. Nega ser um partido burguês, mas não se pode caracterizar como partido operário. Ideologicamente situa-se no campo da pequena-burguesia e, no quadro político, aspira a se tornar trade-unionista.

 

Desse modo, é terreno propício à atividade em suas fileiras de variadas correntes, sobretudo das que se opõem ao socialismo científico. Aí atuam setores anticomunistas da Igreja, alguns renegados do verdadeiro partido da classe operária, os trotskistas de diferentes matizes e, sem dúvida, também os carreiristas políticos.

 

Mas no PT há setores sadios, sindicalistas sinceros, democratas conseqüentes, trabalhadores combativos. Formam, aliás, a parte principal dos que fundaram e sustentam o Partido dos Trabalhadores.

 

Penetrando nesse Partido, os trotskistas tinham em vista preparar as condições para mudar o caráter da organização e dela se apossar. Seus intentos dentro do PT nunca foram honestos. Em 1982, declararam abertamente que seu objetivo atuando nas hostes petistas era transformá-las num partido trotskista, ligado à IV Internacional.

 

“Aos trotskistas, que batalham no interior do PT, como fração consciente, cabe trabalhar lealmente(!) procurando vincular o PT ao combate pela Internacional Operária, que para nós, trotskistas, não é outra coisa senão a IV Internacional” (o grifo é nosso) (“Resolução do VI Congresso da Organização Socialista Internacionalista”, trotskista).

 

As publicações trotskistas em diversos países apresentam-no como se fora um partido na senda do trotskismo.

 

Ao mesmo tempo que buscam dominar o Partido dos Trabalhadores, abrem luta com o que chamam de sua “ala direita”, ou seja, os que não rezam pela cartilha dos partidários de Trotsky.

 

“O comportamento dos trotskistas deve ser claro: combater decididamente a ala direita (…) representada por uma parte da cúpula do partido” (“Resolução do VI Congresso da OSI”, trotskista).

 

Airton Soares, um dos fundadores do PT e líder da bancada petista na Câmara Federal, é considerado pelos trotskistas como “o porta-voz da ala direita (…) que assumiu nitidamente uma posição de porta-voz da burguesia no interior do partido” (“Resolução da OSI”, já citada). Os trotsquistas tomam resoluções sobre os movimentos sindical, do funcionalismo público, dos estudantes etc. para serem aplicadas pelo PT. Ditam, na prática, a orientação e a linha de conduta desse partido em tais movimentos. Eles se opõem acintosamente à unidade dos estudantes dentro de suas organizações tradicionais, a UNE e a UBES. Querem transformá-las em instrumento de sua manipulação sectária. Numa resolução da OSI, de maio de 1983, se lê:

 

“Para desenvolver esta batalha (varrer a direção unitária da UNE), os trotskistas se lançam na organização dos estudantes do PT, impulsionando a construção de núcleos, a realização de encontros por universidade, cidade, estado e nacional” (…) “Constatam que é em torno do PT que se agrupa o núcleo da oposição à direção da UNE”.

 

Salta à vista que os trotskistas utilizam o PT como simples instrumento da sua política. E quanto à UBES, proclamam que o centro de preocupação dos partidários de Trotsky é:

 

“a intervenção no interior do PT, no sentido de que os secundaristas do partido se engajem na construção da Oposição (…) Para nós, trata-se de ter como eixo de intervenção, no interior do PT, a construção de núcleos por escolas (…) O engajamento dos petistas na luta contra a diretoria (da UBES) é fundamental na constituição da Oposição”.

 

De fato, nos Congressos e Encontros estudantis, os trotskistas aparecem arrebanhando os petistas. São repetidamente derrotados pela união crescente dos estudantes de todo o país que lutam pela liberdade, pela unidade, em defesa das justas reivindicações dos universitários e dos secundaristas, contra o regime militar que oprime o Brasil há vinte anos.

 

No que se refere à atividade internacional, o Congresso da OSI (maio/1983) traça a linha a ser seguida pelo PT.

 

“No interior do PT – diz a resolução aprovada pelos trotskistas – as atividades de defesa da Revolução Política na Polônia adquirem importância na luta pela afirmação do PT como partido operário independente contra o stalinismo. Isso significa que o PT deve prolongar a sua solidariedade aos trabalhadores poloneses, ligando-se ao movimento internacional de solidariedade que se desenvolve”.

Igualmente, a respeito da ação sindical e da CUT os trotskistas falam pelo Partido dos Trabalhadores.

Alguns êxitos alcançados pelo PT são atribuídos única e exclusivamente aos trotskistas em suas publicações. “O decisivo no CONCLAT – escrevem eles – foi a bancada de 200 trotskistas (…) A campanha pela libertação dos líderes sindicais respondendo a processos na Justiça Militar, também foi obra dos trotskistas (…) A CUT seria o resultado do trabalho dos trotskistas aliados à ANAM-POS” e assim por diante. A pretensão é grande. Mas não ficam nisso. Consideram que palavras-de-ordem fundamentais do PT são fruto da elaboração trotskista (o que não é de todo inexato). Enfim, o PT já seria, nesta altura, uma mescla de sindicalismo e de trotskismo em marcha para se converter numa entidade da IV Internacional.

Que se acautelem os petistas: o cavalo de Tróia dos trotskistas já invadiu seus domínios, lealmente!…

Os trotskistas não são aquilo que blasonam. Resumem-se a pequenos grupos em constante desagregação. A “Convergência Socialista” praticamente desapareceu, hoje vive em função de uma ala jovem denominada “Alicerce da Juventude Socialista”. Alguns jornais deixaram de circular por falta de leitores. Eles mesmos confessam que “cai o número de militantes trotskistas” e que “a venda dos jornais” se reduz. Mas continuam ativos na sua pregação e ação contra-revolucionária.

* * *

Na luta ideológica contra os encapuzados inimigos da revolução, torna-se necessário desmascarar também o trotskismo. Isto faz parte do combate geral pela elevação do nível de consciência política das grandes massas que precisam distinguir, na complexidade da luta de classes, o joio e o trigo.

 

Em nosso país há um proletariado jovem surgido no curso das últimas duas ou três décadas. Não conhecem o desmascaramento, feito no passado desses camuflados adversários do comunismo. Vivendo sob ditadura feroz, teve poucas possibilidades de entrar em contato com as idéias avançadas que lhe dizem respeito. Está ansioso por fazê-lo, mostra-se receptivo aos pontos de vista revolucionários. Por isso é indispensável ajudá-lo a não se confundir, a saber separar as opiniões corretas das incorretas. Os trotskistas constituem uma das muitas variantes da política burguesa para o movimento operário. Seus dirigentes são falsos sinaleiros do caminho da revolução social.

Pesquisa pública, publicação privada

Às pesadas prateleiras das bibliotecas universitárias se somam cada vez mais uma enxurrada de publicações especializadas on-line, que oferecem, sem atraso e normalmente de graça, os últimos resultados dos laboratórios de pesquisa

por Richard Monvoisin

 

“Publicar ou apodrecer”: a sentença do zoologista Harold J. Coolidge1 resume a vida de um pesquisador. Pouco importa, para seu prestígio acadêmico, que seu modo de ensinar seja brilhante, seus estudos sejam bem fundamentados ou que ele seja gentil com os colegas: a avaliação do trabalho de pesquisa repousa de forma definitiva apenas na soma e na qualidade dos artigos publicados nas revistas científicas. A exposição ordenada dos resultados, passando pela humilhação da releitura por especialistas no assunto – o que chamamos normalmente de releitura dos pares, ou peer-review–, é a chave para isso.

As publicações são especializadas de acordo com a área de pesquisa. Assim, um especialista em história moderna da França tem à escolha uma dezena de revistas nacionais, e cerca de uma centena de periódicos acolhem os trabalhos de pesquisa feitos em física. Para escolher em que porta bater é preciso adaptar as pretensões, levando em conta o fator do impacto da revista, quer dizer, seu valor no mercado do saber. Esse valor é fundado não na audiência, mas no número médio de citações dos artigos da dita revista em outros artigos científicos.2 É conveniente acertar o alvo: muito baixo (uma revista pouco conhecida), e o artigo não será apreciado de acordo com seu valor, independentemente de sua qualidade; muito alto (as melhores publicações), e ele pode ser bloqueado durante meses pelos avaliadores, para no final ser recusado. Por ser feroz a concorrência entre as equipes de pesquisa, corre-se, então, o risco de ser ultrapassado na linha de chegada.

Além de o autor do artigo não ser pago, seu laboratório deve, frequentemente, participar nos gastos de secretaria ou impressão. Em troca, ele recebe capital simbólico (reconhecimento, prestígio): o direito de indicar o título do artigo – envolto na aura de seu fator de impacto – em seu curriculum vitae. Os leitores-avaliadores do artigo, por sua vez, são cientistas anônimos solicitados pela revista; eles também são remunerados apenas em capital simbólico. Quando um pesquisador submete um texto numa área muito específica, seus juízes às vezes participam da mesma corrida. Claro, a honestidade e a boa-fé predominam e, em caso de conflito de interesses patente, é possível recusar antecipadamente um avaliador concorrente. Mas as disputas por influência e os conluios são inevitáveis. A pesquisa moderna se transforma, então, em uma arena percorrida por centenas de hamsters na qual, como nos clássicos videogames, se multiplicam poças de óleo, cascas de banana e rasteiras.

Essa mecânica não cooperativa parece hoje “sem fôlego”3 e pesa na qualidade de produção do conhecimento. As grandes revistas estão congestionadas; resultados não acabados, de interesse medíocre, são por vezes publicados de maneira precipitada; os resultados negativos – quer dizer, sem conclusão –, que no entanto são muito úteis, nunca são publicados.4

E o sistema de releitura pelos pares está longe de garantir a honestidade de todas as publicações. Resultados fraudulentos, maquiados para melhor seduzir, às vezes até completamente forjados, superam regularmente esse filtro. Podemos citar os casos de Jan Hendrik Schön, físico alemão dos laboratórios Bell desmascarado em 2001; de Hwang Woo-suk, biólogo sul-coreano descoberto em 2005; ou do psicólogo Diederik Stapel, que se demitiu em 2011. Depois de ter estudado os 17 milhões de publicações científicas, de 1950 a 2007, referenciadas pela base de dados Medline, os pesquisadores Murat Çokol, Fatih Ozbay e Raul Rodriguez-Esteban observaram que a porcentagem de retratações de artigos pelas revistas “tem aumentado” significativamente desde os primeiros escândalos científicos, nos anos 1970. Esses casos tinham conduzido à instalação do Office of Research Integrity (ORI), escritório norte-americano pela integridade na pesquisa.5

A avaliação dos pesquisadores é comprometida: a busca por citações engendra uma forma de tráfico de influências, levando, por exemplo, à citação de amigos. Encontram-se igualmente artigos assinados por dezenas de nomes: os dos jovens pesquisadores que realizaram o essencial do trabalho e os dos diretores de laboratório, claramente menos implicados – revelando um procedimento que pode ser legítimo no caso de trabalhos fundadores que tenham efetivamente contado com um grande número de participantes. Impõe-se, assim, o que o sociólogo Robert K. Merton chamava de “efeito Mateus” (São Mateus: “Porque, àquele que tem, se dará e terá em abundância; mas, àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado”), um encadeamento de mecanismos pelos quais os mais favorecidos, no caso os mais citados, tendem a ganhar vantagem sobre os outros, que irão encher as colunas das revistas medíocres e pouco lidas.

Esse sistema se revela, além do mais, muito dispendioso para a comunidade científica. O contribuinte financia uma pesquisa que o cientista publicará – muitas vezes à sua custa – em uma revista endossada por uma empresa privada, que outros pesquisadores deverão avaliar gratuitamente e que as universidades deverão, em seguida, comprar a preço de ouro. É possível dizer, com efeito, que a literatura científica custa caro. A metade do orçamento de funcionamento das bibliotecas universitárias vai embora nas assinaturas, o que prejudica imediatamente os estabelecimentos menos ricos e tem repercussões sobre astaxas de matrícula dos estudantes.6

 

Ascensão da Elsevier

Uma editora, a Elsevier, cresce em poder e chama a atenção. Sua história começa nos anos 1580, em Louvain, na Bélgica. Um certo Lodewiejk Elzevir (1542-1617), tipógrafo, fundou uma empresa de publicação e difusão de livros, em particular de clássicos latinos. A empresa familiar subsistiu com dificuldade por algumas décadas, depois desapareceu com o último de seus representantes, em 1712. Em 1880, em Amsterdã, nasceu a Elsevier, em homenagem a essa antiga editora. Em pouco mais de um século, ela tomou conta de uma grande parte da publicação científica no mundo. Em 1993, a fusão das empresas Reed International e Elsevier PLC criou a Reed-Elsevier, segundo maior conglomerado de edição mundial, atrás da Pearson.7 Agora proprietária da revista Cell, doLancete de coleções de livros como Gray’s anatomy, a Elsevier publica 240 mil artigos por ano em cerca de 1.250 revistas. Seus lucros se aproximaram de 1 bilhão de euros em 2011.8 Para algumas bibliotecas, a assinatura anual dos jornais da editora representa cerca de US$ 40 mil. Para os 127 estabelecimentos franceses onde as compras de assinaturas eletrônicas são gerenciadas pela Agência Bibliográfica do Ensino Superior, as publicações Elsevier custaram 13,6 milhões de euros em 2010.

Até agora, nos Estados Unidos, os Institutos Nacionais de Saúde tinham o costume de exigir dos pesquisadores que colocassem em acesso livre o resultado dos trabalhos financiados pelo contribuinte. Quando, em dezembro de 2011, foi apresentado ao Congresso um projeto de lei proibindo esse procedimento, muitos cientistas se revoltaram. Em 21 de janeiro de 2012, o matemático Timothy Gowers, ganhador da medalha Fields em 1998, anunciou que boicotaria a partir de então a Elsevier. Depois de um artigo noGuardian, em Londres, e depois no New York Times,9 ele foi acompanhado por outros 34 matemáticos. Logo foi lançada uma petição intitulada “The cost of knowledge” (“O custo do conhecimento”), assinada por mais de 10 mil pesquisadores acadêmicos. A Universidade Paris 6, que gasta mais de 1 milhão de euros por ano com essas assinaturas, entrou no boicote.

As bibliotecas, de mãos atadas, podem apenas apoiar o boicote; por exemplo, o conselho de administração da Universidade Harvard, que conta todo ano com US$ 3,75 milhões para comprar revistas, encorajou seus 2,1 mil professores e pesquisadores a colocar suas pesquisas à disposição on-line.10 “Espero que outras universidades façam a mesma coisa”, declarou Robert Darnton, diretor da biblioteca.11 “Estamos todos confrontados com o mesmo paradoxo. Fazemos as pesquisas, escrevemos os artigos, trabalhamos no referenciamento dos artigos de outros pesquisadores, tudo de graça… Em seguida, compramos o resultado do nosso trabalho por um preço escandaloso.”

Já existem algumas soluções, em particular na área da publicação livre e aberta (com os sites PLoS, HAL, arXiv…). A longo prazo, a comunidade dos pesquisadores não terá outra escolha a não ser desenvolver melhor essas soluções a fim de burlar o sistema.

 

Richard Monvoisin

É pesquisador e membro do Coletivo de Pesquisa Transdiciplinar Espiríto Crítico e Ciências (Cortecs), em Grenoble

Ilustração: Orlando

 

1 Harold Jefferson Coolidge, Archibald Cary Coolidge: life and letters, 1932.
2 Deve-se o fator de impacto a Eugène Garfield, fundador do Institute for Scientific Information, cujo primeiro Science Index data de 1963.
3 Laurent Ségalat, La science à bout de souffle? [A ciência sem fôlego?], Seuil, Paris, 2009.
4 Brian Martinson, Melissa Anderson e Raymond de Vries, “Scientists behaving badly” [Cientistas se comportando mal], Nature, Londres, n.435, 9 jun. 2005.
5 Murat Çokol, Fatih Ozbay e Raul Rodriguez-Esteban, “Retraction rates are on the rise” [Taxas de retração estão em ascensão], EMBO Reports, 2008.
6 Ler Isabelle Bruno, “Pourquoi les droits d’inscription universitaires s’envolent partout” [Por que as taxas de matrícula universitárias aumentam em todos os lugares], Le Monde Diplomatique, set. 2012.
7 Livres Hebdo, Paris, 22 jun. 2012.
8 Reed-Elsevier, Annual reports and financial statements 2011. Disponível em: <www.elsevier.com/about/annual-reports>.
9 “Scientists sign petition to boycott academic publisher Elsevier” [Cientistas assinam petição para boicotar a editora acadêmica Elsevier], The Guardian, Londres, 2 fev. 2012; “Mathematicians organize boycott of a publisher” [Matemáticos organizam boicote a editora], The New York Times, 13 fev. 2012.
10 Faculty Advisory Council Memorandum on Journal Pricing, “Major periodical subscriptions cannot be sustained” [Principais assinaturas não podem ser sustentadas], 16 abr. 2012. Disponível em: <http://www.harvard.edu/>.
11 Ler Robert Darnton, “La bibliothèque universelle, de Voltaire à Google” [A biblioteca universal, de Voltaire ao Google], Le Monde Diplomatique, mar. 2009.

Fonte – http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1342

Cortadores de cana adoecem e morrem por conta de pagamento por produção

Revista Forum

 
Os atestados de óbito de cortadores de cana geralmente declaram razões desconhecidas ou parada cardiorrespiratória, segundo a Pastoral do Migrante de Guariba, no interior de São Paulo. Mas alguns deles podem trazer como causa um acidente vascular cerebral (derrame), edema pulmonar ou hemorragia digestiva, entre outras. No entanto, para Francisco da Costa Alves, professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as mortes são o desfecho da exaustão causada pelo trabalho excessivo exigido pelo sistema de pagamento por produção.

Antes de matar, o sistema provocou problemas respiratórios, musculares, sérias lesões nas articulações pelo esforço repetitivo, entre outros. “Essa forma de remuneração, que leva o cortador a trabalhar mais e mais, em longas jornadas, com alimentação e hidratação inadequadas, está na raiz do adoecimento e morte desses trabalhadores”, disse.
Nesse sistema antigo, que já era criticado no final do século 18 por ser perverso e desumano, os trabalhadores recebem conforme produzem, tendo a responsabilidade pelo ritmo do seu trabalho. Ganham mais conforme a produção. Como trabalham pela subsistência, se submetem a esse ritmo cada vez mais intenso para melhorar suas condições de vida.
Conforme Francisco Alves, que há mais de 20 anos pesquisa a produção no setor canavieiro, o excesso de trabalho pode ser demonstrado pela rotina dos bóias frias. Para a produção diária de seis toneladas, eles têm de cortar a cana rente ao solo para desprender as raízes; cortar a parte onde estão as folhas verdes, que por não ter açúcar não servem para as usinas; carregar a cana cortada para a rua central e arrumá-la em montes.
Segundo o pesquisador, tudo isso é feito rápida e repetidamente, a céu aberto, sob o sol e calor, na presença de fuligem, poeira e fumaça, por um período que varia entre 8 e 12 horas. Para isso, eles chegam a caminhar, ao longo do dia, uma distância de aproximadamente 4.400 metros, carregando nos braços feixes de 15 quilos por vez, além de despender cerca de 20 golpes de facão para cortar um feixe de cana. Isso equivale a aproximadamente 67 mil golpes por dia. Isso tudo se a cana for de primeiro corte, ereta, e não caída, enrolada. Do segundo corte em diante, há mais esforço.
O gasto energético ao andar, golpear, agachar e carregar peso torna-se ainda maior devido à vestimenta com botina de biqueira de aço, perneiras de couro até o joelho, calças de brim, camisa de manga comprida com mangote de brim, luvas de raspa de couro, lenço no rosto e pescoço e chapéu, ou boné, quase sempre sob sol forte. Com isso, eles suam abundantemente, perdendo muita água e sais minerais.
A desidratação provoca câimbras frequentes, que começam pelas mãos e pés, avançando pelas pernas até chegar ao tórax – as chamadas birolas. Provocam fortes dores e convulsões. Para tentar evitar o problema e garantir maior produção, algumas usinas distribuem soro fisiológico e, em alguns casos, suplementos energéticos. E há casos em que os próprios trabalhadores procuram um hospital na cidade, onde recebem soro na veia.
“Ademais, o excesso de trabalho não é realizado apenas para alcançar esse salário, mas também para atingir as próprias metas fixadas pela usina (cerca de 10 a 15 toneladas diárias), a fim de garantir ao trabalhador que lhe seja oferecido a vaga na próxima safra.
E, para que o trabalhador possa atingir essa meta, é obrigado a trabalhar invariavelmente cerca de 10 horas diárias, senão mais”, escreveu o juiz Renato da Fonseca Janon, da Vara do Trabalho de Matão, em sua sentença do final do ano passado que proibiu a Usina Santa Fé S.A., de Nova Europa, na região de Araraquara, a remunerar seus empregados do corte de cana por unidade de produção. A decisão, inédita, baseou-se em pesquisas coordenadas por Francisco Alves, além de outros pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para complicar, esse sistema de pagamento impede a adoção da norma regulamentadora (NR) 31, considerada um avanço para a segurança e saúde dos trabalhadores rurais por obrigar o uso de equipamentos de proteção individual. É o caso de óculos de proteção contra as cortantes folhas da cana, que causam muitos ferimentos nos olhos. Só que para serem limpos da poeira e da fuligem, exigem a interrupção da produção.
Para Alves, a mudança do pagamento por produção para um salário fixo depende de um longo processo de discussão e reflexão da situação. Enquanto o fim do pagamento associado à produção representa saúde, envelhecimento digno e mais vida, muitos trabalhadores o entendem como redução dos ganhos. No entanto, cortadores mais velhos, que já não têm o mesmo vigor dos mais jovens, e mulheres, que têm outra jornada de trabalho em casa, aceitam ganhar um salário fixo mesmo que seja inferior ao que ganhariam por produção.
Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo, os valores da tonelada de cana cortada variam entre R$ 3,80 e R$ 4. E o piso salarial mensal, regional, varia entre R$ 775 e R$ 840 para uma jornada semanal de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h20. “Para se sustentar e à sua família, o cortador de cana deveria ter um piso correspondente a pelo menos três salários mínimos (R$ 2.034)”, disse Roberto dos Santos, secretário geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de São Paulo (Fetaesp).
De acordo com o dirigente, não há no momento nenhuma opção que permita ao trabalhador ganhar o suficiente. “É claro que seria mais vantajoso um piso salarial superior ao que se ganha por produção, mas essa forma de pagamento ainda é a que permite ganho maior e por isso os trabalhadores sempre se manifestam favoráveis a esse sistema.”
Os patrões propõem a mecanização do corte da cana, que elimina o problema, mas também acaba com os empregos. Estima-se que só em São Paulo sejam 200 mil os que perderão o trabalho. Por isso, Alves defende políticas de curto prazo, elaboradas pelo conjunto da sociedade, para a qualificação desses trabalhadores que ocuparão parte dos empregos na agricultura mecanizada. Só que não haverá vagas para todos: uma colheitadeira faz o serviço de 80 trabalhadores.
Ele estimam ainda que, com a mecanização, 20% da terra hoje tomada pela cana em São Paulo não poderá mais ser usada com essa finalidade. “Uma alternativa é que os municípios, que têm o direito constitucional de decidir o que fazer com suas terras, decidam com seus moradores se vão destiná-las à produção de alimentos ou recompor florestas nativas, que permitem a recomposição de mananciais”, disse. “Outra é a reforma agrária, política pública mais barata, capaz de proporcionar trabalho e renda para esses trabalhadores da cana.”
 
Fonte – http://www.centrodosocialismo.com.br/2013/02/cortadores-de-cana-adoecem-e-morrem-por.html

Stalingrado, onde começou a derrota de Hitler e dos nazistas

Por José Carlos Ruy
 
 
Entre os dias 31 de janeiro e 2 de fevereiro o mundo comemorou os 70 anos da derrota dos invasores em Stalingrado e a quebra do mito da invencibilidade do exército nazista
 
 
 
Adolf Hitler e a liderança nazista subestimavam os russos; que considerava como “sub-humanos”, bárbaros, inferiores e indignos de continuar vivendo. Via os territórios do leste da Europa, sobretudo as estepes férteis da Ucrânia, como “um lebensraum (espaço vital), à prova de bloqueio” cuja conquista levaria, depois da vitória, ingleses e norte-americanos a negociar os termos da paz. Era ali que Hitler pretendia lançar as bases do “Reich de mil anos”, depois de abrir um vazio populacional com o assassinato de ao menos 30 milhões de eslavos, cujo território seria ocupado pela colonização étnica alemã.
 
 
 
Destruir a União Soviética e comunismo
 
 
 
Numa das reuniões de planejamento da Operação Barbarossa (o código nazista para a invasão da União Soviética, que ocorreria em junho daquele ano), em 30 de março de 1941, Hitler deixou claro o objetivo da guerra: destruir a União Soviética e o comunismo.
 
 
 
O general Franz Haider, que foi chefe do estado maior do exército nazista, anotou em seu diário a declaração do dirigente nazista. Será a “luta de duas visões de mundo”, disse Hitler numa “sentença aniquilatória contra o bolchevismo”, que é a “mesma coisa que criminalidade antissocial”, anotou Haider. “Comunismo, tremendo perigo para o futuro”, disse Hitler. E ordenou o assassinato puro e simples dos comissários políticos do Exército Vermelho e da intelectualidade comunista.
 
 
 
Hitler acreditava que a invasão seria mais uma blitzkrieg – uma guerra relâmpago a ser resolvida rapidamente. Em seus planos, tudo estaria terminado antes do Natal de 1941, e do temível inverno russo. “Nós só temos que chutar a porta da frente e todo o edifício ruirá”, disse em outra ocasião, registrou o historiador Rupert Matthews. Hitler estava convicto de que suas tropas seriam recebidas na URSS como “libertadoras” contra o comunismo.
 
 
 
Era uma crença generalizada também entre governos aliados, como o norte-americano ou o inglês, de que os russos se levantariam contra o comunismo. Na véspera da invasão, o serviço secreto britânico calculou que a União Soviética estaria liquidada em oito ou dez semanas. Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA foi mais “pessimista” e previu na mesma ocasião que a derrota soviética ocorreria entre um a três meses. (citados por Domenico Losurdo).
 
 
 
Mesmo quando os nazistas foram derrotados em Moscou, em janeiro de 1942, essa crença não perdeu a força, como mostra a reação do governo inglês diante de um telegrama enviado por um diplomata de Moscou para Londres. “Essa ofensiva forçará os nazistas a um longo recuo”, dizia. “Uma nova ofensiva alemã está prevista para a primavera, podendo fazer alguns progressos limitados na Rússia, mas não logrará muito. Em seguida, os russos pretendem dar o golpe de misericórdia no outono ou no inverno. Não acredito que os russos parem nas fronteiras alemãs, mas que partam para uma derrota da Alemanha de forma conclusiva e definitiva”. (citado por Rupert Matthews). Seus chefes em Londres fizeram piada dessa previsão que o tempo revelaria correta.
 
 
 
Invasão e assassinato em massa
 
 
 
A invasão da União Soviética, que começou na madrugada de 22 de junho de 1941, foi a maior e mais feroz ação bélica da história. A artilharia alemã abriu fogo numa extensa frente de mais de 1.600 quilômetros, indo do Báltico ao mar Negro. Foram mobilizados cerca de 4,5 milhões de soldados da Wehrmacht com o apoio de 600.000 veículos e 750.000 cavalos, e cerca de 2.700 aeronaves (mais da metade do efetivo da força aérea alemã).
 
 
 
A passagem das tropas era seguida pelos efetivos da SS, da Gestapo e dos “esquadrões especiais” (na verdade esquadrões da morte) com ordens explícitas de Hitler para agir de maneira brutal contra a população civil e executar todos os funcionários comunistas, comissários do povo, “judeus em cargos partidários ou estatais” e “outros elementos radicais (sabotadores, propagandistas, atiradores de tocaias, assassinos, agitadores etc.)”, anotou o historiador britânico Richard J. Evans em sua monumental história do Terceiro Reich, recentemente publicada. Outro historiador britânico, Rupert Matthews registrou a barbárie que ocorreu no rastro das tropas invasoras. Cumprindo as ordens assassinas de Hitler, as bestas humanas com uniforme nazista exterminaram, só em 1941, entre 300 mil e 500 mil pessoas nos territórios soviéticos ocupados.
 
 
 
Era demais até mesmo para chefes militares da tradição prussiana, como o comandante alemão Fedor von Bock. No inverno de 1941 ele reclamou a Hitler, por escrito, sobre as ações bárbaras da SS, da Gestapo e de outras unidades paramilitares contra a população civil em áreas conquistadas, com execução em massa de judeus, estupros e assassinatos generalizados, sendo lugar comum o uso de trabalho escravo em condições terríveis. Ele reclamava, diz o historiador Rupert Matthews, sobretudo porque esta bestialidade fortalecia a disposição dos russos para resistir, fortalecendo os grupos guerrilheiros que logo se juntaram à ação do Exército Vermelho.
 
 
 
Esse comportamento bestial logo indispôs as tropas invasoras até mesmo com as pessoas que se opunham ao comunismo, levando outro general alemão, Hans Meier-Welcker, a registrar: “Se nossa gente fosse apenas um pouquinho mais decente e cordata!”.
 
 
 
Os horrores cometidos pelos alemães fortaleceram, de fato, entre soldados e cidadãos soviéticos a disposição para acatar a mensagem patriótica difundida através do rádio por Stálin convocando o povo para unir-se à guerrilha para sabotar e combater, de todas as formas, o ocupante nazista naquela que, com razão, é chamada pelos russos de Grande Guerra Pátria.
 
 
 
O ataque contra Stalingrado
 
 
 
A invasão da União Soviética fora planejada para desdobrar-se em três frente: ao norte, com o foco em Leningrado; no centro, com Moscou no alvo; e no sul, onde o objetivo era Kiev. Mas a resistência soviética mostrou a inviabilidade dessa invasão em três frentes, coisa que os generais alemães perceberam já em agosto, menos de dois meses depois do início da agressão. Eles propuseram a Hitler a escolha de um ponto onde colocar o peso principal que, preferiam, seria Moscou. Mais uma vez o desprezo de Hitler pelas tropas russas levou-o a subestimar seu poderio. Hitler preferiu concentrar o ataque ao sul, contra Kiev, em busca dos recursos econômicos das porções ocidentais da URSS, do Cáucaso e suas reservas de petróleo.
 
 
 
Em seguida, decidiu atacar Stalingrado, pelo valor simbólico e propagandístico (era a cidade de Stalin) e estratégico (o domínio do Volga poderia abrir um caminho por onde os invasores pretendiam chegar a Moscou).
 
 
 
Foi a origem da maior e mais sangrenta das batalhas da 2ª Guerra Mundial, que começou em 17 de julho de 1942. Os 250 mil soldados do 6º Exército (um das joias da coroa nazista), sob o comando do então general Friedrich von Paulus, alcançaram o Volga, ao norte de Stalingrado, em 23 de agosto de 1942. Antes de sua chegada, a cidade foi arrasada pelos bombardeios da Luftwaffe. A luta prosseguiu nos escombros da cidade, entre setembro de 1942 a janeiro de 1943. A batalha foi dura, e os soldados alemães – treinados para a blitzkrieg com apoio de tanques – não estavam preparados para a luta urbana, com os obstáculos representados pelos escombros. Em Stalingrado cada pedaço de terreno foi disputado literalmente palmo a palmo, casa a casa, numa batalha corpo a corpo.
 
 
 
A defesa soviética foi intensa, e o grande contra-ataque para libertar Stalingrado teve início em 19 de novembro de 1942, reunindo mais de um milhão de soldados.
 
 
 
As tropas soviéticas romperam as linhas inimigas a quase 160 km ao oeste da cidade; a reação alemã inicial foi lenta, demorando a perceber que estava em andamento uma manobra tradicional de envolvimento, que se completou no dia 23. Os alemães ainda fizeram uma tentativa de ataque pelo sul, em 12 de dezembro, repelida pelos soviéticos.
 
 
 
Sem combustível, comida e munição, no Natal de 1942 o exército de Paulus estava efetivamente condenado. Menos de um mês depois, em 22 de janeiro de 1943, ele sugeriu a Hitler (que rejeitou) a rendição como única maneira de salvar o que restava das tropas. Em 24 de janeiro de 1943 estava cercado nas ruinas de Stalingrado, sendo continuamente atacado pela artilharia soviética.
 
 
 
Hitler ainda tentou manter as aparências e, em 30 de janeiro de 1943 (no décimo aniversário de sua escolha como Chanceler), fez uma solene proclamação pelo rádio: “Daqui a mil anos, os alemães falarão sobre a Batalha de Stalingrado com reverência e respeito, e se lembrarão que a despeito de tudo, a vitória final da Alemanha foi ali decidida”. Nesse dia, ele promoveu Friedrich Von Paulus para o mais alto posto da hierarquia militar alemã: marechal de campo, em uma evidente tentativa de induzi-lo a preferir um suicídio “honroso” a cair prisioneiro dos soviéticos.
 
 
 
Em vão. No dia seguinte, 31 de janeiro de 1943, o agora marechal de campo Friedrich von Paulus comunicou aos soviéticos sua capitulação, que efetivou em 2 de fevereiro de 1943.
 
 
 
No total, cerca de 235 mil soldados alemães e aliados foram capturados; mais de 200 mil foram mortos, diz Richard Evans. Entre os capturados estavam, além do marechal Paulus, 24 generais e outros 2.500. Foram mortos cerca de 140 mil soldados da Wehrmacht e 200 mil do Exército Vermelho. Os soviéticos tomaram do exército inimigo 60 mil veículos, 1,5 mil blindados, seis mil canhões e dois mil aviões. Os próprios alemães reconheceram que, em Stalingrado, perderam o correspondente a seis meses da produção de sua indústria bélica.
 
 
 
Foi a primeira vez na história que um marechal alemão era feito prisioneiro em combate, e que dois exércitos alemães foram capturados (o 6º Exército de Paulus e parte do 4º Exército Panzer, de tanques de guerra). Foram neutralizadas mais de 20 divisões alemãs; em seis meses de combate, foram mortos mais de 1,5 milhão de soldados invasores. Entre os russos, o número de mortos foi semelhante.
 
 
 
Moscou, Leningrado, Stalingrado
 
 
 
O fracasso em Stalingrado foi a confirmação de uma derrota alemã anunciada antes em Moscou e no cerco a Leningrado. A primeira etapa da derrota alemã ocorreu em Moscou onde, em 5 de dezembro de 1941. Era o início do inverno e as tropas soviéticas e moradores expulsaram os invasores nazistas que haviam chegado a 80 quilômetros da cidade. Naquele dia começou a ruir o mito da invencibilidade nazista. Sob o comando do então general Georgy Zhukov começou o contra-ataque que barrou a tentativa de blitzkrieg e empurrou os alemães (congelados, famintos e exaustos) de volta para o ponto de partida de seu ataque, a uns 250 quilômetros. A consolidação da posição soviética em abril de 1942 afastou a ameaça alemã contra a capital, reforçando a autoconfiança soviética em seus soldados, nos equipamentos que produziam (entre eles os tanques T-34 e os lança foguetes Katyusha), e na capacidade tática e vencer os invasores nazistas. O dia 5 de dezembro é justamente comemorado na Rússia como Dia da Glória Militar.
 
 
 
O outro passo importante foi dado em Leningrado (cidade que Hitler havia prometido varrer do mapa). O cerco alemão durou mais de dois anos, de 8 de Setembro de 1941 a 27 de Janeiro de 1944, submetendo os moradores a intensos bombardeios aéreos, à fome, a epidemias e males semelhantes. Os moradores e os defensores não esmoreceram; em 18 de janeiro de 1943 conseguiram, pela primeira vez, romper o cerco, mas a luta ainda demoraria cerca de um ano até a derrota completa do inimigo nazista, em janeiro de 1944.
 
 
 
O desastre diante de Moscou foi particularmente catastrófico, classificado pelo general Franz Haider como “a maior crise em duas guerras mundiais”. Fritz Told, ministro de Armamentos, concluiu por sua vez que a guerra não podia ser vencida pois os recursos industriais britânicos, americanos e soviéticos eram mais poderosos que os da Alemanha, e a indústria soviética estava produzindo equipamento melhor em escala maior, mais adaptado para o combate no rigor do inverno, registrou Richard Evans.
 
 
 
As perdas das Forças Armadas alemãs após a invasão da União Soviética estiveram acima de todos os cálculos nazistas. Nas ações anteriores, suas perdas foram assimiláveis: em 1939 chegaram a 19 mil mortos; nas campanhas de 1940, foram 83 mil – bastante sérias mas não insubstituíveis, comentou o historiador Richard Evans. Com a invasão da União Soviética esse número multiplicou-se. Somente em 1941 houve 357 mil soldados alemães dados como mortos ou desaparecidos, mais de 300 mil deles na frente oriental onde, a partir de 22 de junho de 1941 estavam engajadas pelo menos 2/3 das forças alemãs.
 
 
 
As grandes perdas alemãs começaram já no início da invasão. Um mês depois de atravessarem as fronteiras, o número de mortos, feridos e desaparecidos alemães já passava de 213 mil e a desordem causada entre as fileiras levou o Comando Supremo do Exército a ordenar, em 31 de julho, uma parada no avanço, para reagrupamento. Isto é, cerca de 40 dias depois de seu início, a invasão começava a perder ímpeto.
 
 
 
Isto é, logo no início a liderança nazista teve que defrontar-se com as dificuldades não previstas. Em 2 de julho de 1941, depois de dez dias do início da invasão, Goebbels escreveu em seu diário: o combate é duro e obstinado, e “não se pode, de modo algum, falar em passeata. O regime russo mobilizou o povo”. Avaliação mantida em 24 de julho: “Não podemos nutrir nenhuma dúvida sobre o fato de que o regime bolchevique, que existe há quase um quarto de século, lançou marcas profundas no povo da União Soviética”. E avançou: é preciso dizer ao povo alemão “que esta operação é muito difícil, mas que podemos superá-la, e a superaremos”. Em 16 de setembro, seu registro da situação reconhecia que “calculamos o potencial dos bolcheviques de maneira completamente errada” (citado por Domenico Losurdo).
 
 
 
Era uma situação que os generais estavam vivendo na prática. Em 20 de julho de 1941 o general alemão Gotthard Heinrici, escreveu à esposa que “os russos são muito fortes e lutam com desespero”. “Eles aparecem de súbito por toda parte, atirando, caem sobre as colunas, carros individuais, mensageiros, etc.” “Nossas perdas são consideráveis”.
 
 
 
Eram perdas com as quais os “invencíveis” alemães não estavam acostumados; elas chegaram a mais de 63 mil homens até o fim de julho; no dia 22 desse mês, Heinrici reconhecia, em outra carta à esposa, que a disposição russa para resistir não fora destruída e que o povo não queria depor os líderes bolcheviques.
 
 
 
Haider, em 2 de agosto, reconheceu os erros de avaliação: “está ficando cada vez mais claro que subestimamos o colosso russo, que se preparou de modo consciente para a guerra”. Em agosto ele avaliou que os alemães já tinham perdido 10% de seus soldados, que foram mortos ou feridos pela resistência até o final de julho. Em 15 de agosto ele anotou em seu diário: “Em vista da fraqueza de nossas forças e dos espaços infindáveis, podemos jamais alcançar o sucesso”.
 
 
 
Quando a notícia da derrota em Stalingrado foi transmitida por rádio, em Berlim, em 4 de fevereiro de 1943, Goebbels, registrou em seu diário: “As notícias de Stalingrado tiveram um efeito de choque no povo alemão” (Der Spiegel). Aparentemente era um sentimento geral. Um relatório do Serviço de Segurança da SS registrou que algumas pessoas de fato viram em Stalingrado “o começo do fim”, e dizia-se que nos gabinetes de governo de Berlim havia “em certa medida uma nítida atmosfera de desespero iminente” (citado por Richard Evans).
 
 
 
O mito do absolutismo soviético
 
 
 
A historiografia ocidental alimenta um persistente mito sobre Stalingrado. O Exército Vermelho e a polícia política soviética teriam imposto o terror sobre seus próprios cidadãos e combatentes para obrigá-los a combater os invasores. Em 1998, o historiador britânico Anthony Beevor concluiu que o Exército Vermelho executou mais de 13 mil soldados durante a batalha, acusados de covardia ou deserção; além disso, 50 mil soviéticos teriam passado para o lado dos alemães.
 
 
 
Não é verdade. Esse mito foi demolido por documentos agora revelados no livro The Stalingrad Protocols, publicado em novembro de 2012, na Alemanha e na Rússia, escrito pelo historiador alemão Jochen Hellbeck. Segundo os documentos houve menos de 300 execuções, por covardia, entre os soviéticos até outubro de 1942, três meses antes da derrota alemã. E, naqueles meses cruciais, o número de filiados ao Partido Comunista na cidade conflagrada aumentou, passando de 28.500 para 53.500 entre agosto e outubro de 1942.
 
 
 
The Stalingrad Protocols foi escrito com base em cartas e memórias de soldados soviéticos. Hellbeck consultou mais de 10 mil documentos sobre o Exército Vermelho existentes na Academia Soviética de Ciências, em Moscou e sua conclusão é de que a luta contra as tropas hitleristas era encarada pelos cidadãos soviéticos como uma causa libertadora. “Os comissários soviéticos souberam captar o sentimento patriótico das pessoas e mobilizar a população contra a agressão nazista”, diz ele, derrubando mitos consolidados sobre os soviéticos. Desmente, por exemplo, a alegação comum na historiografia liberal, de que civis participaram daquela batalha devido ao medo do terror do regime soviético. E retrata a história de pessoas que se envolveram de forma voluntária na defesa de sua cidade e sua pátria.
 
 
 
O esforço do governo para mobilizar o povo e defender as conquistas do regime surtiu efeito. O objetivo da luta era claro para a população e para os soldados. Ele fora apontado inúmeras vezes em transmissões de rádio onde Stalin falava ao povo desde o início da invasão nazista. Em 23 de fevereiro de 1942, por exemplo – data do 24º aniversário da entrada do Exército Vermelho na Primeira Guerra Mundial – ele defendeu o direito de autodefesa dos soviéticos. “A força do Exército Vermelho”, disse, “reside sobretudo no fato de não travar uma guerra predatória imperialista, mas uma guerra patriótica, uma guerra de libertação, uma guerra justa.” “O Exército Vermelho, como qualquer exército de quaisquer outros povos, tem o direito e a obrigação de aniquilar os escravizadores de nossa Pátria”.
 
 
 
Nas comemorações dos 70 anos da vitória em Stalingrado, a rádio Voz da Rússia ouviu alguns sobreviventes daquela batalha cujo depoimento confirma as conclusões do autor de The Stalingrad Protocols. Um exemplo é o da veterana Taïssia Postnova que, hoje, tem 93 anos de idade; na ocasião, era estudante de medicina e foi enviada para Stalingrado em setembro de 1942 para trabalhar como enfermeira. Ela lembrou que os nazistas “bombardearam continuamente de nove da manhã até às quatro horas da tarde. Duas vezes nosso bunker foi completamente soterrado após as explosões”. Viveu os horrores da guerra mas, disse, “não tínhamos medo. Tínhamos apenas uma ideia em mente: vencer”, em defesa da Pátria e do regime. “Muitas vezes aqueles que estavam à beira da morte diziam: ‘eu morro pela Pátria, por Stalin’. Se não tivesse havido Stalin, teríamos perdido a guerra”, afirmou.
 
 
 
Isso confirma a opinião de Jochen Hellbeck em entrevista à revista alemã Der Spiegel; segundo ele, o Exército Vermelho era política e moralmente superior a seu oponente nazista. “O Exército Vermelho era um exército político”, disse.
 
 
 
Rendição incondicional
 
 
 
O impulso soviético iniciado em Moscou e reforçado com a vitória em Stalingrado cumpriu a previsão do diplomata inglês em Moscou, em 1942: o rolo compressor do Exército Vermelho não se deteve nas fronteiras russas mas só parou quando um soldado soviético do destacamento avançado do general Ivan Koniev, em 2 de maio de 1945, hasteou a bandeira da foice e do martelo no mastro principal do Reichstag, em Berlim, e a Alemanha foi completamente derrotada na guerra. Cinco dias depois, em 8 de maio, Hitler havia cometido suicídio e seus substitutos à frente da Alemanha nazista, rendição incondicional, diante dos generais Ivan Susloparov, soviético, Walter Bedell Smith, americano, e François Sevez, francês.
 
 
 
Muito antes disso, ainda em 1943, a notícia da derrota em Stalingrado foi noticiada através do rádio, em Berlim, no dia 3 de fevereiro, pelo general Zeitzler, chefe do Alto Comando das Forças Armadas alemãs, ao som de tambores abafados e da execução do segundo movimento da Quinta Sinfonia de Beethoven. Esta foi mais uma vilania dos nazistas: Beethoven foi um democrata que jamais teria concordado com a barbárie dirigida por Hitler e seus asseclas. Basta lembrar que, em 1802 (cerca de 140 anos antes dos eventos trágicos transmitidos pelo general Zeitzler) ele havia dedicado a Terceira Sinfonia (Eroica) ao Napoleão, dirigente da revolução francesa. Mas riscou a dedicatória dois anos depois, em 1804, quando Napoleão se coroou imperador.
 
 
 
A poesia, agora, está nos jornais
 
 
 
A batalha de Stalingrado ficou na história como um símbolo intenso da resistência contra a opressão, o imperialismo e a ocupação estrangeira. Um poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, registrou sua dimensão histórica imorredoura. Hoje, “a poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”, escreveu. “Os telegramas de Moscou repetem Homero. / Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo”.
 
 
 
Mundo novo defendido com muita coragem, sangue, sacrifício para enfrentar aqueles que, há mais de 70 anos, armaram o até então maior exército jamais visto para destruir a União Soviética e o comunismo.
 
 
 
Referências
 
 
 
Evans, Richard J. O Terceiro Reich em Guerra. São Paulo, Planeta, 2012.
 
Losurdo, Domenico. Stalin – storia e critica di uma legenda nera. Roma, Carocci editore, 2008.
 
Matthews, Rupert. Segunda Guerra Mundial: Stalingrado. A resistência heroica que destruiu o sonho de Hitler de dominar o mundo. São Paulo, M. Books do Brasil, 2013.
 
 
 
Internet:
 
 
 
 
 
 
 
 

A razão à prova das grandes crises históricas

Como explicar a grande crise histórica que principia com a Revolução Francesa e que, um quarto de século mais tarde, é concluída (provisoriamente) com o retorno dos Bourbons? Friedrich Schlegel e a cultura a Restauração não cessaram de denunciar a “doença política” e o “flagelo contagioso dos povos” que estrondeiam a partir de 1789; mas é o próprio Metternich que alerta contra a “peste” ou o “cancro” que devasta os espíritos. 

Por Domenico Losurdo*

Para sermos mais exatos – indo mais longe do que este outro ideólogo da Restauração que é Baader – estamos na presença de uma “loucura de possessão satânica”; ao derrube do Antigo Regime sucedeu não a democracia mais sim a “demonocracia”, ou seja, o poder de Satã. 

Mais tarde, após a vaga da revolução de 1848 e sobretudo da revolta operária, Tocqueville vai desenvolver a abordagem psicopatologisante: o que vai explicar a “doença da Revolução Francesa” é a propagação de um “vírus de uma espécie nova e desconhecida” . Nos seus Souvenirs, referindo-se ao momento em que começa a subir a agitação que desembocará nas jornadas de Junho, o liberal francês faz dizer a “um médico de mérito que dirigia então um dos principais hospitais de loucos de Paris”: “Que infelicidade e como é estranho pensar que são loucos, verdadeiros loucos, que provocaram isto! A todos operei ou tratei. Blanqui é um louco, Barbès é um louco, Sobrier é um louco, Huber sobretudo é um louco, todos loucos, senhor, que deveriam estar no meu [hospital de] Salpêtrière e não aqui”. Tocqueville acrescenta a seguir: “Sempre pensei que nas revoluções e sobretudo nas revoluções democráticas, os loucos, não aqueles aos quais se dá este nome por cortesia, mas os verdadeiros, desempenharam um papel político muito considerável”. 

A referência a forças de alguma forma infernais não faltará daí em diante: nas jornadas de Junho, Tocqueville ouve soar “uma música diabólica” nos bairros que se preparavam para resistir e que convocam os habitantes à luta tocando a “generala”. Os habitantes ouvem e preparam-se com um “ar sinistro”, perdendo seus traços humanos. Eis a agitar-se de modo insensato uma “velha” que parece uma feiticeira: “A expressão odiosa e terrível do seu rosto fez-me horror, tanto o furor das paixões demagógicas e a raiva das guerras civis estavam nele bem representados”. 

Na véspera da Comuna de Paris, a abordagem psicopatológica celebra o seu triunfo com Taine:

“Se há para os corpos doenças epidémicas e contagiosas, há também para os espíritos e esta é então a doença revolucionária. Ela se encontra em simultâneo sobre todos os pontos do território e cada ponto infectado contribui para a infecção dos outros […] Em todas as partes as mesma febre, o mesmo delírio e as mesmas convulsões indicando a presença do mesmo vírus, e este vírus é o dogma jacobina”.
 

Não só a Comuna como todo o ciclo revolucionário francês é posto na conta do “vírus” e da “alteração do equilíbrio normal das faculdades” . Lancemos um olhar a tal ou tal ator da revolução: “O médico reconheceria de imediato um destes loucos lúcidos que não encerra, mas que são os mais perigosos”. Com efeito, Marat comporta-se como “seus companheiros [do hospital] de Bicêtre”. Como se pode ver, passamos do Sapetrière de Tocqueville para o Bicêtre, mas a explicação das crises revolucionárias continua a ser procurada nos hospícios. 

Aos olhos de Taine também a loucura revolucionária tem algo de diabólico. Se Voltaire é um “demónio encarnado”, Saint-Just e o protagonista de uma espécie de rito satânico: “Esmagar e subjugar torna-se uma voluptuosidade intensa, saboreada pelo orgulho íntimo, um fumo de holocausto que o déspota queima no seu próprio altar; neste sacrifício cotidiano, ele é em simultâneo o ídolo e o padre, e oferece-se vítimas para ter consciência da sua divindade” . 

O ciclo que principia na Rússia em 1905 é comparável ao ciclo revolucionário francês. A cultura dominante vai então reatualizar o “diagnóstico” já efetuado. O “vírus de uma espécie nova e desconhecida” migra da França para a Rússia: é assim, num retorno explícito a Tocqueville, que argumentam François Furet e o sovietólogo estadunidense Richard Pires. 

A leitura em termos psicopatológicos das grandes crises históricas está de tal modo difundida atualmente que até se pode observá-las nas categorias centrais do discurso político. Em 1964, Adorno vê no “totalitarismo psicológico” o fundamento do totalitarismo propriamente dito: há indivíduos que “não têm à sua disposição senão um eu fraco e em consequência têm necessidade, como substituto, da identificação com um grande coletivo e da sua cobertura”. Não só desvanece-se assim a situação objetiva, a geopolítica e a história, mas os próprios ideólogos não desempenham qualquer papel: “Os caracteres submetidos à autoridade são avaliados de modo totalmente errôneo ainda que sejam construídos a partir de uma ideologia político-econômica determinada”. 

A deriva psicologista acaba por emergir também em Arendt. Com efeito, é recorrente nas Origens do totalitarismo a denúncia do “desprezo totalitário pela realidade e pelos próprios fatos”, pela “loucura” que a “sociedade totalitária” demonstra. Esta não é a busca com métodos brutais e sem nenhum escrúpulo moral de objetivos em todo caso logicamente compreensíveis. Não, no totalitarismo tratamos dos “paranóicos”: “A agressividade do totalitarismo não nasce do apetite de poder e o seu expansionismo ardente não visa a expansão para si mesmo, não mais do que o lucro; suas razões são unicamente ideológicas: trata-se de tornar o mundo mais coerente, de provar o bom fundamento do seu mau entendimento. Por outras palavras, o totalitarismo é a loucura que quer a loucura. 

Eis-nos chegados de alguma forma à cultura da Restauração, como se verifica a partir de um pormenor ulterior. Quanto aos “regimes totalitários” (não só o regime hitleriano como também o staliniano), Arendt faz intervir a categoria de “mal absoluto”, que já não podem mais explicar “as vis motivações do interesse pessoal, da culpabilidade, da cobiça, do ressentimento, do apetite de potência e da covardia” e que portanto não pode ser explicado racionalmente. O Satã de que fala a cultura da Restauração é aqui tornado o mysterium iniquitatis. 

Mas porque a abordagem psicologisante deve ser considerada como errônea e mistificadora? Vejamos o que se passa nos Estados Unidos, nas vésperas da Guerra de Secessão, ou seja, deste trágico conflito que acaba por desembocar numa revolução abolicionista. Nos campeões do Sul escravocrata, comparam-se os abolicionistas aos jacobinos, eles próprios afetados pela loucura. Mas ocorre aqui uma novidade. Faz-se também um diagnóstico psicopatológico para os escravos. O número dos escravos fugitivos aumenta e os ideólogos da escravatura espantam-se: como é possível que pessoas “normais” se subtraiam a uma sociedade tão bem ordenada? Eis-nos claramente na presença de um espírito perturbado. Mas de que se trata? Em 1851, Samuel Cartwright, eminente cirurgião e psicólogo da Luisiânia, partindo do fato de que em grego clássico drapetes é o escravo fugitivo, conclui triunfalmente que a perturbação psíquica que leva os escravos negros à fuga é precisamente a drapetomania . Outros ideólogos constatam que os escravos não obedecem mais às ordens dos mestres com a mesma celeridade anterior. O diagnóstico psicopatologisante intervém de novo: a doença em questão é agora a “disestesia”, ou seja, a incapacidade dos escravos para compreender e reagir com celeridade às ordens do mestre. 

No século XIX vemos desenvolver-se uma outra revolução, a revolução feminista. E novamente caímos na denúncia da loucura e da degenerescência que estaria na base desta novidade incrível. É um grande filósofo, Friedrich Nietzche, que fala das protagonistas desta revolução como mulheres falhadas que desconhecem a sua natureza de mulheres e são mesmo incapazes de engendrar: “Emancipação da mulher – eis o que é o ódio instintivo da mulher falhada, ou seja, incapaz de procriar, contra a mulher de bom comportamento”. A polémica contra o movimento feminista é tão rude que leva o filósofo a declarações de um filistinismo desarmante. As “emancipadas” seriam “mulheres fracassadas” ou então “aquelas que não o estofo para terem filhos”. Pode-se tirar uma conclusão: historicamente, não se encontra desafio à opressão que não tenha sido taxado de loucura, de deformação da saúde e da normalidade. 

De resto, o diagnóstico psicopatologisante caracteriza-se pelo seu lado arbitrário. Pode-se constatá-lo até nos grandes autores. Em 1950, ao publicar seus estudos sobre a “personalidade autoritária”, Adorno sublinha a “correlação entre anti-semitismo e anti-comunismo” e acrescenta a seguir: “Durante os últimos anos todo o mecanismo de propaganda na América foi consagrado a desenvolver o anti-comunismo no sentido de um “terror” irracional”. Naquele momento, aqueles que foram afetados por perturbações psíquicas eram os anti-comunistas; em 1964, em contrapartida, Adorno inserirá exatamente os comunistas, com os fascistas, entre as personalidades intrinsecamente autoritárias e inclinadas ao totalitarismo! 

Também vale a pena notar que o diagnóstico psicopatológico toma habitualmente como alvo os campeões da revolução, nunca os da guerra. Os loucos são Robespierre e os jacobinos, mas não os girondinos feitores da guerra, cujas consequências devastadora para a liberdade civil e política são denunciadas de modo antecipado e com uma grande lucidez exatamente por Robespierre. Os loucos são os bolcheviques que invocam a Revolução para por fim à carnificina da Primeira Guerra Mundial, não aqueles que, prolongando a participação da Rússia nesta carnificina, não hesitam em sacrificar milhões de pessoas e em provocar no país uma crise política, econômica e social de proporções espantosas. Mais ainda, a Primeira Guerra Mundial é saudada não só na Rússia, mas em todo o Ocidente como um momento de regeneração espiritual exaltante e os maiores intelectuais da época empenham-se nesta obra de celebração e de transfiguração. 

Finalmente. Vimos Tocqueville identificar na obra de um “vírus de uma espécie nova e desconhecida” a causa do interminável ciclo revolucionário francês. Mas porque o autor desta explicação não poderia ser submetido, também ele, a um diagnóstico psicopatológico? Para demonstrar a loucura da “raça de revolucionários que parece nova no mundo” e que está a atuar em França, ele observa que esta “não só pratica a violência, o desprezo do direitos individuais e a opressão das minorias, mas, o que é novo, professa que assim deve ser”. E vejamos agora como o liberal francês celebra a primeira guerra do ópio:

“Trata-se de um grande acontecimento, sobretudo se se sonha que não é senão a sequência, o último termo de uma multidão de acontecimentos da mesma natureza que, todos eles, empurram gradualmente a raça europeia para fora da sua casa e submetem sucessivamente ao seu império e à sua influência todas as outras raças […]; é a submissão de quatro partes do mundo pela quinta. Não difamemos nosso século e nós próprios; os homens são pequenos mas os acontecimentos são grandes”.

Ou então vejamos qual comportamento Tocqueville sugere ao exército francês empenhado na conquista da Argélia:

“Destruir tudo o que se pareça a uma agregação permanente de população, ou por outras palavras, a uma cidade. Creio da mais alta importância não deixar subsistir ou elevar-se nenhuma cidade nos domínios de Abd-el-Kader” (o líder da resistência).”

Nestas duas declarações ressoa esta celebração da violência e da lei do mais forte de que se censura a “raça dos revolucionários” em ação naFrança. Por outras palavras, é de modo não só arbitrário, mas também dogmático que procedem os fazedores da abordagem psicopatológica: eles não aplicam a si mesmos os critérios que fazem valer para os outros. 

Poder-se-ia observar com Furet que o carácter patológico da violência jacobina (e bolchevique) reside no fato de que ela devora os seus próprios filhos. Se não fosse a dialética de Saturno que está bem presente na Reforma protestante na primeira revolução inglesa e que se manifesta também, com modalidades particulares, na revolução americana. Por ocasião da Guerra de Secessão, os dois campos reclamam-se da luta pela independência conduzida em conjunto contra a Coroa inglesa. 

Os abolicionistas referem-se ao princípio proclamado pela Declaração de independência segundo a qual “todos os homens foram criados iguais” e ao incipit solene da Constituição de Filadelfia na qual o “povo dos Estados Unidos” declara querer ulteriormente “aperfeiçoar a União”. 

A propaganda da Confederação reivindica a herança da luta dos patriotas contra um poder central opressivo, sublinha a centralidade do tema dos direitos de cada estado singular no processo de fundação e na tradição jurídica do país, e observa que Washington, Jefferson e Monroe eram todos proprietários de escravos. Os dois campos opostos declaram avançar no rastro dos Pais Fundadores, mas isso não evita o choque e o torna mesmo mais rude. Não há dúvida: também neste caso, Saturno devora os seus filhos. 

É preciso notar igualmente que os colonos americanos protagonistas da guerra de independência contra o governo de Londres são definidos pelos seus contemporâneos ingleses, quer num julgamento positivo ou negativo, como “os dissidentes do desacordo”. E se Burke denuncia a “doença” francesa desde a primeira da revolução , Mallet du Pan põe em causa nesta revolução a “inoculação americana”. Como se vê, a remessa à dialética de Saturno e à psicopatologia para explicar as revoluções não esperou o jacobinismo para vir à luz! 

Mas coloquemos agora uma pergunta: qual é o ponto de partida da loucura ideológica que teria assolado primeiro o ciclo revolucionário francês e depois o ciclo revolucionário russo? Furet, tal como Pipes, partem da França das Luzes e das sociedades de pensamento. E é do mesmo modo que argumenta Taine, que vimos criticar Voltaire como demónio incarnado e que vê a França revolucionária “intoxicada pela má aguardente do Contrato Social” de Rousseau . Pode-se agora considerar como terminada a investigação para trás das origens do maldito vírus revolucionário? Nada disso! Bem antes da revolução que em França liquida o Antigo Regime, verifica-se na Alemanha a Guerra dos Camponeses que, conduzidos por Müntzer, insurgem-se contra os senhores feudais e querem abolir a servidão de gleba. Os protagonistas desta revolução são estigmatizados por Lutero como “profetas loucos” (tolle Propheten) que excitam a “populaça louca” (tolle Pöbel), como “visionários” (Schwärmerer, Geister, Schwarmgeister), loucos que perderam totalmente o sentido da realidade. Mas esta campanha contra o ex-discípulo que se tornou louco não impede Lutero de ser por sua vez classificado por Nietzche entre os “espíritos doentes”, a saber, entre os “epilépticos das ideias” (com Savonarole, Luther, Rousseau, Robespierre et Saint-Simon) ( O Anticristo, 54). 

Sim, segundo Nietzche, para encontrar as primeiras origens da doença revolucionária convém remontar bem mais para trás do que o fazem os críticos habituais da revolução: a loucura que desejaria o advento de um mundo perfeito e igualitário e que condena a riqueza e o poder enquanto tais começou a manifestar-se já com o cristianismo e mesmo, ainda antes, com os profetas judeus.
Convencido da longa duração do ciclo revolucionário que assola o Ocidente, Nietzche convida a proceder finalmente ao acerto de contas com “estes milhares de anos de um mundo de choças” e com as “doenças mentais” que o assolam a partir do “cristianismo” (O Anticristo, 38). Poder-se-ia ler esta conclusão como a involuntária reductio ad absurdum da interpretação psicopatologisante do conflito político e, em particular, das grandes crises históricas. Mas não esqueçamos que Nietzche declara ter “passado pela escola de Tocqueville e de Taine”, e que tem com este último relações epistolares marcadas por uma estima recíproca. 

Nos nossos dias, igualmente, na esteira do filósofo alemão, um ilustre historiador das religiões (Mircea Eliade) e um eminente filósofo (Karl Löwith) explicam a loucura sanguinária do século XX partindo de longe, de muito longe: tudo teria começado em tempos bastante recuados com a recusa do mito do retorno eterno e com o advento da visão unilinear do tempo e da fé no progresso que a acompanha: tudo teria começado com, uma vez mais, a afirmação da cultura judia e cristã. A tendência para liquidar as grandes crises históricas (e em última análise a história universal) enquanto expressões de loucura caracteriza a cultura actual de modo talvez ainda mais forte do que a cultura da Restauração. 

Mas como explicar o fato de que as explosões de loucura manifestam-se mais frequentemente e numa escala mais vasta em certos países do que em outros? Conhece-se em Tocqueville a tendência para celebrar um sentido moral e prático superior e um mais forte apego à liberdade que caracterizariam os cidadãos estado-unidenses, em oposição aos franceses. Quer dizer que a leitura psicopatológica do conflito tende a desembocar numa leitura de cariz etnológico (e de tendência racial). É uma tendência que se manifesta também fortemente na historiografia e na cultura contemporânea. Segundo Norman Cohn, a Inglaterra “faz-se notar por uma ausência quase total de tendências chiliásticas” e de ” chiliaísmo revolucionário”, que em contrapartida assolam a França e a Alemanha . Mais radical na deriva etnológica (e, em última análise, racial) é Robert Conquest, que vê na França e na Rússia (e na Alemanha) os lugares das “aberrações mentais”, das quais em contrapartida estão imunes as revoluções inglesa (não se fala senão da Revolução Gloriosa de 1688) e americana. Além disso, a civilização autêntica encontra sua expressão mais acabada na “comunidade de língua inglesa” e o primado desta comunidade tem seu fundamento étnico preciso, constituído pelos “angloceltas”. Então coloca-se aqui uma questão: por o culto dos “angloceltas” deveria ser mais aceitável do que o culto dos “arianos”, particularmente caro aos nazis? 

Pois. Para se dar conta do absurdo da remessa à psicopatologia basta reflectir no facto de que o carácter catastrófico da crise revolucionária na Rússia foi previsto com décadas de antecipação por autores muito diferentes entre si. Em 1811, na São Petesburgo ainda abalada pela revolta camponesa de Pugatchev, Maistre vê perfilar-se uma revolução (desta vez apoiada por “Pougatcheve de Universidade”, isto é, por intelectuais de origem popular) de uma amplitude e de uma radicalidade de fazer empalidecer a Revolução Francesa. Em 1859 previne: se a nobreza continuar a se opor a uma emancipação real dos camponeses, emergirá um cataclismo social “sem precedentes na história”. Em 1905, mesmo o primeiro-ministro russo Serge Witte exprime-se em termos semelhantes! 

Podem-se fazer considerações análogas para a crise que na Alemanha acabou no advento de Hitler ao poder. Pouco tempo após a assinatura do Tratado de Versalhes, o marechal Ferdinand Foch observa: “isto não é a paz, isto não é senão um armistício para vinte anos”. O imperialismo alemão não ia tardar em tentar a sua desforra; e ele vai tanto mais facilmente obter um consenso de massa na medida em que os vencedores da Primeira Guerra Mundial se mostram vindicativos e míopes. Neste mesmo período o grande economista John Maynard Keynes, que fez parte da delegação inglesa em Versalhes, põe em guarda contra as consequências de uma “paz cartaginesa”:

“A vingança, ouso prever, não tardará. Nada poderá então retardar por muito tempo esta guerra civil final entre as forças da reacção e as convulsões revolucionárias desesperadas; face a que os horrores da última guerra alemã desaparecerão no nada e destruirão, qualquer que seja o vencedor, a civilização e o progresso da nossa geração”.

Portanto: “Que o céu nos proteja a todos!” Uma prova de força ia-se perfilando para a hegemonia ainda mais brutal e bárbara que do que aquela que se havia desencadeado no decorrer do primeiro conflito mundial. 

O nazismo caracteriza-se também por sua pretensão a retomar a tradição colonial para realizá-la também, nas suas formas mais bárbaras, na Europa oriental. Pois bem, a partir já do século XIX a cultura europeia mais avançada colocou-se uma questão angustiante: o que teria acontecido se os métodos de governo e de guerra em acção nas colónias tivessem acabado por se impor também nas metrópoles? O próprio genocídio dos judeus não acontece de modo de algum de modo improvisado. Basta-nos dizer que na Rússia devastada pela guerra civil, os judeus, estigmatizados como fantoches do bolchevismo, tornam-se as vítimas de massacres desencadeados pelas tropas brancas apoiadas pela Entente: isto é o prelúdio – observam eminentes historiadores – do que será a seguir a “solução final”. 

Concluamos. A leitura psicopatologisante das grandes crises históricas permite por um lado liquidar como uma expressão de loucura o gigantesco processo de emancipação que vai da Revolução Francesa (das Luzes mesmo) à Revolução de Outubro; por outro lado, ela atribui o Terceiro Reich a uma personalidade doente individual (Hitler), absolvendo indirectamente o sistema político-social e a tradição ideológica que o produziram. A crítica da leitura psisopatologisante (mesmo demonológica) das grandes crises históricas é um hoje um dever essencial da crítica da ideologia e da luta pela razão.

 *Domenico Losurdo é professor de História da Filosofia na Universidade de Urbino (Itália). Dirige desde 1988 a Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialektisches Denken e é membro fundador da Associazione Marx século 21.

 

Fonte – http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=205084&id_secao=10

1935: ASSIM SE CONTA A HISTÓRIA (A VERDADE SOBRE 35)

1935: Assim se Conta a História (A Verdade Sobre 35)

João Amazonas


Fonte: Revista Princípios, nº. 31. documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

O movimento libertador antifascista de 1935 tem um lado positivo, e mesmo glorioso. Tem também seu lado negativo. Mas reportagem do Estadão distorce sua história.

No velho e surrado estilo do anticomunismo primário, William Waack, jornalista do Estadão, publicou longa reportagem, que já transformou em livro, de revelações que seria obtido nos arquivos secretosde Moscou. As revelações concentram-se especialmente nos acontecimentos revolucionários de 1935 no Brasil, que teriam sido obra diabólica da Internacional Comunista (IC). Superficial, repete antigos chavões da propaganda reacionária sobre o ouro de Moscou, as ordens de Moscou, aespiononagem soviética, tramando rebeliões comunistas na América Latina. Faltou apenas dizer que havia comprovado também dados reais de que os comunistas comiam criancinhas. . . A reportagem, com pretensão de pesquisa histórica, peca pela base. Não faz exame da realidade política da época e também do caráter e do papel que jogavam os organizações revolucionárias. Suas conclusões são preconceituosas, adaptadas à campanha que o capitalismo selvagem promove contra o socialismo científico. O jornalista pinça ao acaso fatos isolados e faz deduções estapafúrdias. Segundo ele,Prestes teria pago verdadeira fortuna para ingressar no movimento comunista internacional. Quem pode acreditar nessa balela? Nem Prestes era pessoa desse gênero, nem a Internacional adotava semelhante procedimento. O movimento comunista nunca foi balcão de negócios, nele ingressavam unicamente revolucionários convictos. Ao afirmar que a rebelião militar de novembro de 35 fora ordenada por Moscou, apresenta como prova um pretenso telegrama com a assinatura dos oito principais dirigentes da IC: É simplesmente irrisório atribuir a uma organização revolucionária experiente como a IC tão estúpida ingenuidade. A veracidade da documentação consultada torna-se suspeita quando o jornalista diz que “Prestes enviou João Amazonas a Moscou, em 1949, com a denúncia de que Ghioldi não se comportara como revolucionário ao ser preso no Brasil”. A informação é inteiramente falsa. Amazonas viajou, pela primeira vez, à União Soviética, em junho de 1953, três meses depois da morte de Stálin. E nunca foi portador de denúncia contra o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto tal indicação, quem teria interesse em incluir o nome de Amazonas nesse repositório cekpetho (secreto) matreiramente aberto a investigadores facciosos? 1935 não chega a ser mistério, nem fruto de manipulação estrangeira, como sugere W. Waack. Surge com o formidável ascenso da luta revolucionária no mundo, contrapondo-se ao nazi-facismo. Séria ameaça a todos os povos. A Aliança Nacional Libertadora (ALN), que teve apenas alguns meses de atuação legal, nasceu do sentimento libertador e antifacista do povo brasileiro. Precocemente derrotado e com graves seqüelas na vida do país, o movimento aliancista merece um exame criterioso. Vale a pena, como contribuição à história, descrever certos fatos que não são ainda do conhecimento público. Neles teve realce a figura legendária de Prestes. Antigo caudilho militar, obstinado e crente de que seu prestígio influenciava fortemente as Forças Armadas, sem nenhuma experiência de atuação comunista, desempenhou papel de certo modo negativo nos acontecimentos de 35. Seu nome contava com muitas simpatias no Brasil devido à epopéia da grande marcha da Coluna. Merecia o respeito de seus concidadãos. Todavia, suas idéias sobre a luta revolucionária deixavam muito a desejar. Era voluntarista ao extremo. Desde 1931 na União Soviética, Prestes trabalhava como engenheiro civil na construção de casas populares e tratava de compreender o socialismo. Queixava-se de que seus interlocutores dificultavam sua aproximação dos altos dirigentes soviéticos. Em 1934, com o vigoroso crescimento da luta antifascista, sobretudo na Europa, julgou ser chegado o momento de regressar ao Brasil e pôr em prática um projeto revolucionário. Acalentado esse ideal, pediu e conseguiu uma audiência com o secretário da IC,Manuilsky. Após longa exposição de que tinha todas as condições para fazer vitoriosa a revolução no Brasil, logrou convencê-lo. Seus argumentos e seu passado de lutas impressionaram favoravelmente. Como não contava com base de apoio organizado no Brasil — o Partido Comunista era pequeno e não lhe inspirava suficiente confiança — solicitou ajuda do movimento internacional para viajar e instalar-se no Rio de Janeiro. Reivindicou, também, uma assessoria política. A IC ajudou-o no que pôde. São verdadeiros os nomes de estrangeiros citados por W. Waack que estiveram no Brasil. De resto, bastante conhecidos, amplamente divulgados pela polícia e pela imprensa brasileira. Não eram mercenários ou espiões. Aqui chegaram com o nobre objetivo de ajudar a luta do nosso povo para libertar-se da espoliação imperialista. Entre outros destaca-seArthur Ewert (Harry Berger), antigo deputado alemão, com bastante experiência política, inclusive no movimento revolucionário da China, onde estivera durante certo tempo. O plano de Prestes, idealista, calcado nas melhores intenções, era frágil e inconseqüente. Apresentava lacunas indesculpáveis. A começar por sua própria instalação no Rio, realizada por adventícios que desconheciam o País, nem ao menos falavam o português. As relações com o PCB eram precárias, o Partido não chegava a influir na orientação do caudilho. Muitos erros foram cometidos. Prestes, na época, tinha uma visão puramente militar do movimento revolucionário, confiava acima de tudo no seu prestígio pessoal e na experiência da Coluna. Isso levava a uma compreensão sectária e voluntarista, que se manifestou repetidamente. A Aliança Nacional Libertadora havia lançado, desde sua fundação, a palavra-de-ordem: “Governo Popular Revolucionário”. Sob influência do prestismo, acrescentou-se a esse slogan: “Com Prestes à frente”. Importantes personalidades políticas, descontentes com o adendo, abandonaram a Aliança que, no entanto, continuou crescendo porque o nome de Prestes era popular. Em agosto de 1935, Getúlio Vargas, induzido por fontes estrangeiras, pôs a ANL na ilegalidade. Discutiu-se em círculos estreitos o rumo que devia tomar movimento. Prestes defendeu que a ANL, a partir da ilegalidade, devia orientar-se para a preparação da luta armada, em curto prazo, com apoio nos quartéis. Essa orientação foi contestada por Arthur Ewert, representante da IC. Ele era de opinião que o movimento aliancista precisava voltar-se para o campo, ganhar as massas camponesas, sem o que a insurreição fracassaria. O documento que continha essa opinião de Ewert foi publicado, mais tarde, no Brasil. Em novembro de 35, espontaneamente, e sem maior preparação, deu-se a sublevação de Natal, vitoriosa durante poucos dias. Em Pernambuco, repetiu-se o levante militar, façanha que celebrizou Gregório Bezerra, também de curta duração. Tudo indicava, após as duas derrotas, uma retirada em ordem. A precipitação comprometera irremediavelmente o êxito de operações em maior escala. Mas Prestesinsistiu (a ordem foi sua, e não de Moscou) no levante do 3º RI, da Praia Vermelha, no Rio. Nessa ocasião, o quartel já estava cercado pelas forças do governo, e os oficiais comprometidos com o levante, encarcerados. Ainda assim cumpriu-se a ordem. Heroicamente, o quartel do 3º RI foi dominado. Mas os insurretos, entre os quais o capitão Agildo Barata, não conseguiram sequer sair à rua. Malogro inevitável. Não houve, em todo o País, nenhuma manifestação revolucionária de massas em apoio aos quartéis sublevados. O Partido ficou à margem do movimento insurrecional. Não estava preparado politicamente para isso, embora tivesse sido o grande impulsionador daAliança Nacional Libertadora. Com o fracasso, abateu-se feroz repressão sobre o País que durou quase uma década, atingindo seriamente o Partido. A direção nacional foi aniquilada por vários anos. Somente reconstituiu-se em 1943, na Conferência da Mantiqueira. Assim se conta a história de 35. Apesar dos erros, nosso Partido não condena as lutas heróicas daquela época. As rebeliões militares foram o primeiro pronunciamento das forças revolucionárias do País. Tampouco nega a atuação de Prestes em prol da revolução. Honramos a memória dos estrangeiros que vieram ao Brasil num gesto de internacionalismo proletário. Muitos deles sofreram terríveis castigos nos cárceres fascistas de Vargas e Filinto MullerArthur Ewert (Harry Berger) enlouqueceu, vítima de cruéis torturas. Realçamos a figura de Olga Benário, jovem combatente de vanguarda que dedicou sua vida por inteiro à causa da revolução proletária. Fiel aos seus ideais, morreu nos fornos a gás da Alemanha hitlerista, enviada do Brasil, grávida, pelos carrascos do nosso povo.
Herdeiro das tradições combativas do velho Partido da classe operária, o PCdoB avalia a história do movimento revolucionário brasileiro, destacando a luta heróica e abnegada de milhares e milhares de militantes em favor da causa do socialismo. Ao mesmo tempo, examina os erros cometidos por falta de experiência, de maior conhecimento da doutrina marxista, por tendências alheias à concepção do proletariado revolucionário. 1935 tem seu lado positivo, até mesmo glorioso. E tem também seu lado negativo — graves equívocos que causaram prejuízos ao movimento revolucionário.
A reportagem de William Waack, distorcendo propositadamente a história do movimento libertador e antifascista de 35, precisa ser desmascarada. É mais uma tentativa de confundir a opinião pública e de isolar os comunistas, apresentados falsamente como instrumentos servis de potências estrangeiras. Toda a atividade dos comunistas brasileiros está indissoluvelmente ligada aos interesses do nosso povo e da nossa Pátria. Lutam por um Brasil independente, democrático e progressista. E visam a conquista do socialismo, que é o ideal supremo da classe operária e o futuro esplendoroso da humanidade.

Fonte – http://coletivizando.blogspot.com.br/2013/02/conheca-o-unico-sobrevivente-da-revolta.html?spref=tw